Alegações finais STF José Genoíno

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR JOAQUIM BARBOSA DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ação Penal nº 470

JOSÉ GENOINO NETO, nos autos da Ação Penal em epígrafe, vem, por seus defensores, respeitosamente à presença de Vossa Excelência para oferecer suas alegações finais, deduzidas em anexo.

 

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 08 de setembro de 2011

 

 

 

Sônia Cochrane Ráo                                 Luiz Fernando Pacheco

OAB/SP – 80.843                                     OAB/SP – 146.449

 

 

Sandra Gonçalves Pires                                     Marina Chaves Alves

OAB/SP – 174.382                                   OAB/SP – 271.062

 

I – SÍNTESE DOS FATOS

 

Conforme alinhavado no preâmbulo da vestibular,

 

A presente denúncia refere-se à descrição dos fatos e condutas relacionadas ao esquema que envolve especificamente os integrantes do Governo Federal que constam do pólo passivo; o grupo de Marcos Valério e do Banco Rural; parlamentares; e outros empresários.

Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas(fls. 5.620)

 

Em que pese o fato de o denunciado JOSÉ GENOINO NETO, presidente do Partido dos Trabalhadores entre dezembro de 2002 e julho de 2005, não integrar o Governo Federal à época dos fatos, foi ele denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelas supostas práticas dos delitos inscritos nos artigos 288, 312 (quatro vezes) e 333 (nove vezes) do Código Penal Brasileiro.

 

Na já histórica Sessão Plenária deste EGRÉGIO SUPREMO TRIBNUNAL FEDERAL encerrada em 29 de agosto de 2007, ocasião em que Vossas Excelências emitiram Juízo de delibação acerca da exordial, à unanimidade foram rejeitadas as imputações de peculato indevidamente atribuídas a este acusado.

 

Na oportunidade, e também de maneira unânime, esta SUPREMA CORTE rejeitou as mal postas acusações de corrupção ativa, que na visão obnublada do Parquet, teriam sido praticadas pelo defendente em contrapartida a condutas de Deputados Federais do Partido Liberal        (PL) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

 

Não obstante, foi a denúncia recebidaainda que com ressalva do decano, MINISTRO CELSO DE MELLO, no sentido de que os indícios até então colhidos não eram consistentes para eventual e futuro juízo de condenação, no que obteve a aquiescência do preclaro MINISTRO RELATOR JOAQUIM BARBOSA (fls. 12.686), vencido o MINISTRO EROS GRAU, que rejeitava a peça também neste tocante (fls. 12.681/12.682) por imaginada corrupção ativa supostamente praticada em relação a Deputados Federais do Partido Progressista  (PP) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

 

Por fim, vencido novamente o MINISTRO EROS GRAU, desta feita na ilustrada companhia do MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI, foi recebida a denúncia por pretensa formação de quadrilha – neste quesito, importa anotar, o ínclito MINISTRO GILMAR MENDES foi quem fez a ressalva de que o acervo probatório era, na sua ótica, suficiente ao início da Ação Penal, mas precário, “se não houver um adensamento dos elementos, para um eventual juízo de condenação”. Anotou ainda Sua Excelência, “mas isso será em outra fase do processo (fls. 12.779, grifamos).

 

Merece registro, por oportuno, que muito embora tenha a CORTE recebido parcialmente a inaugural, caberá à defesa, ainda e uma vez mais, bater-se pela inépcia total da acusação, que não permitiu o regular exercício da defesa. E o faz não por dever de ofício, mas sim à luz dos autos e a sombra das vazias palavras expendidas pelo respeitável ex-Chefe do Ministério Público.

 

Pois bem.

 

Encerrada a instrução, pleiteia o atual Procurador-Geral da República – à revelia da prova, calcado na herança do nada que a instituição que ora comanda logrou produzir – a condenação deste acusado.

 

Ora, após hercúleo trabalho do MINISTRO RELATOR e de todos os MINISTROS que compõem esta SAGRADA CASA, após o magistral serviço realizado por dezenas de Juízes e  Procuradores da República espalhados por todo país, após a benéfica participação de operadores do Direito e da Justiça em terras alienígenas, após aguerrida defesa exercida com apurada técnica e desmedida paixão por nobres e cultos colegas advogados, chegou o momento que este EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reputou adequado para um mergulho profundo na prova produzida (ou melhor, no caso do peticionário, na sua total e absoluta ausência entre as mais de 40 mil folhas que compõem os autos), proclamando, após o esquadrinhamento minucioso de tudo que integra este volumoso processo, aquilo que há muito se espera, a única decisão jurídica e justa que o feito admite: A ABSOLVIÇÃO DE JOSÉ GENOINO NETO, por ser motivo de lídima e humana JUSTIÇA!

 

Tal fato ocorrerá, no entanto, apenas e tão somente se Vossas Excelências superarem – o que se admite apenas a título de argumentação – duas relevantes questões processuais que estão a impedir o imediato julgamento do caso.

 

Com efeito, não sendo mais o defendente Deputado Federal, cessou a competência originária desta AUGUSTA CORTE para julgamento do processo em primeira e única instância, devendo os autos ser remetidos ao Juízo natural, qual seja, o Federal de Belo Horizonte (MG).

 

Ali – ou neste EXCELSIO PRETÓRIO, caso não auto proclamada sua incompetência – deverá ser sanada nulidade absoluta, que  consistiu na aceitação de denúncia de todo inepta, devendo a marcha processual retroagir até o equivocado, conquanto respeitável, acórdão.

    

 

 

II – INCOMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA

 

O defendente, que durante mais de vinte anos atuou – na condição de Deputado Federal – combativamente na defesa dos interesses sociais no Congresso Nacional, não mais exerce qualquer das funções definidas no artigo 102, inciso I, alíneas b e c da Constituição Federal, desde o fim do último mandato para o qual foi eleito, exercido no quadriênio de 2007 a 2011.

 

Conseqüentemente, não goza mais da prerrogativa constitucional de se ver originariamente processado por esta CORTE SUPREMA, motivo pelo qual de rigor se faz, neste momento, a declinação da competência com relação ao julgamento das condutas a ele irrogadas.

 

Esta defesa não ignora que alguns corréus já pleitearam, nestes mesmos autos, o desmembramento processual para o processamento e julgamento em primeira instância de acusados que não dispõem da prerrogativa de foro.

 

Não obstante, a questão foi abordada e rechaçada por este TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com a salvaguarda da conexão e continência, preceitos estabelecidos no Código de Processo Penal:

 

“Devo dizer inicialmente que não ignoro a circunstância de que os fatos narrados pelo eminente Procurador-Geral da República na denúncia são de tal forma intrincados que, pelo menos no que diz respeito a boa parte das condutas delitivas que deles se podem extrair, haveria fundamentos suficientes a justificar a incidência das modalidades de competência por conexão mencionadas nos incisos I e III do art. 76 Código de Processo penal e também da continência, consoante do inciso I do artigo 77 do CPP.

Mas, por outro lado, considero igualmente relevantes as alegações feitas por alguns dos denunciados acerca da possibilidade de desmembramento do feito, sobretudo com vistas a viabilizar a instrução e julgamento da eventual futura ação penal em tempo razoável, conforme assegura o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, acrescentado ao texto constitucional pela Emenda Constitucional nr. 45/04.” (fls. 11.591/11.592)

 

O próprio titular da Ação Penal justifica a opção de instauração de um único processo nos mesmos termos:

 

“A opção de incluir na denúncia pessoas que não possuem foro por prerrogativa de função foi adotada pela inequívoca existência de conexão, nas três hipóteses descritas no artigo 76 do CPP, em razão da complexa implicação entre as diversas condutas narradas, bem como entre a atuação dos vários integrantes do núcleo explicitados, de tal modo que a imputação fracionada provocaria sérios prejuízos para a completa compreensão dos fatos, caso tivesse havido prévio desmembramento.

Creio que permanecem presentes as razões que motivaram aquela decisão, motivo pelo qual considero inconveniente que se efetive o desmembramento do feito.

Entretanto, conheço o entendimento dessa Corte Suprema em casos assemelhados, que é no sentido de determinar o desmembramento do feito, para que permaneçam submetidos ao seu juízo apenas os denunciados que têm foro por prerrogativa de função” (fls. 10.106)

 

Agora, nesta primeira oportunidade em que o acusado se insurge contra a fixação da competência neste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – até porque antes tinha a prerrogativa funcional que hoje já não mais detém – a abordagem é outra: a indevida supressão ao direito fundamental do defendente ao duplo grau de jurisdição.

 

Conforme prelecionam nossos mais aclamados doutrinadores:

 

“É aqui que entra poderoso argumento, de índole política, a militar em favor da preservação do duplo grau: nenhum ato estatal pode escapar de controle. A revisão das decisões judiciárias – que configuram ato autoritativo estatal, de observância obrigatória para as partes e com eficácia natural em relação a terceitos – é postulado do Estado de Direito.

Trata-se de controle interno, exercido por órgãos da jurisdição diversos daquele que julgou em primeiro grau, a aferirem a legalidade e a justiça da decisão por este proferida” (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES, Recursos no Processo Penal, 5ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 20/21, grifamos)

 

 

Trata-se, portanto, o princípio do duplo grau de jurisdição de noção fundamental que deve reger todo o direito processual, pois além de garantir a necessidade subjetiva de inconformismo aos vencidos na lide, garante também que decisões injustas e erradas possam ser corrigidas por órgão judiciário diverso.

 

Nessa medida, aufere-se a necessária segurança para que o sistema jurídico incida no menor número de imperfeições possíveis e sirva como pilar do Estado para observância dos Direitos e Deveres do Cidadão.

 

O grau único de jurisdição, ao contrário, dá aos membros do Poder Judiciário poderes em excesso, que não coadunam com a égide do regime democrático no qual vivemos.

 

Para evitar que um único Tribunal – antes de tudo composto por seres humanos, absolutamente sujeitos a cometer erros – restrinja ou altere os direitos do jurisdicionado, necessário se faz que toda e qualquer decisão possa ser revista. Do contrário, abandona-se o regime democrático e cultiva-se a tirania.

 

A importância do preceito é clara e, por conta disso, está rigidamente garantido no nosso ordenamento.

 

O §2º do artigo 5º da Lei Maior – contemplado pelo legislador constituinte com a imutabilidade (artigo 60, § 4º, inciso IV) – dispõe:

 

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”

 

Para complementar supracitado parágrafo, o artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), que o Brasil ratificou em 1992, assegura:

 

“2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”

 

Muito se discutiu sobre o status normativo da garantia em testilha, tendo havido toda a sorte de exames da relação hierárquico-normativa entre Tratados Internacionais e a Constituição Federal:

 

“Desde a promulgação da Constituição de 1988, surgiram diversas interpretações que consagraram um tratamento diferenciado aos tratados relativos a direitos humanos, em razão do disposto no § 2º do art. 5º, o qual afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Essa disposição constitucional deu ensejo a uma instigante discussão doutrinária e jurisprudencial – também observada no direito comparado – sobre o status normativo dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, a qual pode ser sistematizada em quatro correntes principais, a saber:

a) a vertente que reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados e convenções em matéria de direitos humanos;

b) o posicionamento que atribui caráter constitucional a esses diplomas internacionais;

c) a tendência que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional;

d) por fim, a interpretação que atribui caráter supralegal aos tratados e convenções sobre direitos humanos” (STF, RE 349.703, Plenário, Relator para acórdão Ministro GILMAR MENDES, julgado em 03.12.2008, DJ em 05.06.2009, grifos originais)

 

Por força do já citado § 2º do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece verdadeira cláusula aberta de recepção de outros direitos, esta defesa faz coro à corrente que a entende como norma com força constitucional, na esteira da nossa melhor doutrina:

 

“Como o § 2º do art. 5º da Lei Maior dispõe que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e considerando que a República Federativa do Brasil, pelo Decreto n. 678, de 6-11-1992, fez o depósito da Carta de Adesão ao ato internacional da Convenção Americana sobe Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), considerando que o art. 8º, 2, daquela Convenção dispõe que durante o processo toda pessoa tem direito, em plena liberdade, a uma série de garantias mínimas, dentre estas a de recorrer da sentença para Juiz ou Tribunal Superior, pode-se concluir que o duplo grau de jurisdição é garantia constitucional.” (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, Processo penal, volume 1, Saraiva, São Paulo, 2006, p. 75)

 

“Entendo que os tratados internacionais de direitos humanos anteriores à Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram validamente promulgados, inserindo-se na ordem jurídica interna, têm hierarquia de normas constitucionais, pois foram como tais formalmente recepcionados pelo § 2º do art. 5º não só pela referência nele contida aos tratados como também pelo dispositivo que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados” (CELSO LAFER, A Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais, Manole, São Paulo, 2005, p. 17)

 

“Como sustentamos nas edições anteriores, hierarquicamente, os dispositivos da Convenção Americana colocam-se no mesmo nível das regras constitucionais, por força do disposto no art. 5º, §2º, CF” (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES, Recursos no Processo Penal, 5ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005, p. 22)

 

O PLENÁRIO deste PRETÓRIO EXCELSO já teve a oportunidade de debruçar-se sobre o tema e, com a edição da Súmula Vinculante nº 25, jogou uma pá de cal na questão.

 

Questionava-se, à época do julgamento dos precedentes que instruíram a edição da Súmula Vinculante mencionada, a compatibilidade da autorização constitucional de prisão civil para depositário infiel (artigo 5º, inciso LXVII) face à vedação – contida no mesmo Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 7º, nº 7 – à detenção por dívida.

 

A solução editada por esta CORTE SUPREMA acabou por reconhecer a ilicitude da prisão civil, disciplinada por lei ordinária, derrogando-se, implicitamente, texto constitucional em observância a norma contida no mesmo Tratado Internacional que aqui não se observa.

 

Na enriquecedora discussão levada a cabo por este PLENÁRIO, restou vencedora, por maioria, a orientação segundo a qual os Tratados Internacionais que versam sobre Direitos Humanos – tal qual o Pacto de San José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos – merecem, ao menos, caráter supralegal:

 

“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).” (STF, RE 349.703, Plenário, Relator para acórdão Ministro GILMAR MENDES, DJ em 05.06.2009, grifamos)

 

“PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.” (STF, RE 466.343, Plenário, Rel. Ministro CEZAR PELUSO, DJ em 05.06.2009)

 

No mesmo sentido:

 

O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decreto 678 de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da Magna Carta. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional -- à falta do rito exigido pelo § 3º do art. 5º --, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. 4. No caso, o paciente corre o risco de ver contra si expedido mandado prisional por se encontrar na situação de infiel depositário judicial. 5. Ordem concedida” (STF, HC 94.013, 1ª Turma, Relator Ministro CARLOS BRITTO, julgado em 10.2.2009, grifamos)

 

Assim, resta inequívoca a preponderância do Pacto de San José da Costa Rica em relação à legislação ordinária. Afinal, como bem ponderado no julgado paradigma aqui já mencionado, “o status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação” (STF, HC 95.967, 2ª Turma, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, DJ em 28.11.2008).

 

É exatamente o caso dos autos.

 

Conforme já mencionado acima, a decisão pela unidade processual foi pleiteada e mantida exclusivamente com base nas regras de conexão e continência, disciplinadas no Código de Processo Penal.

 

Percebe-se, assim, que para além da ampliação indevida da excepcionalíssima e estrita competência por prerrogativa de função definida constitucionalmente (artigo 102, inciso I, b e c) em razão de critérios definidos em legislação ordinária[1], todos os acusados sem prerrogativa de foro estão sendo tolhidos em seu, ao menos, supralegal direito à revisão das decisões judiciais, ao inconformismo.

 

Da mesma forma está sendo negada vigência ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Republicana, que ordena:

 

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

 

De referido dispositivo, depreende-se de forma cristalina, pela própria letra constitucional, que é inerente à ampla defesa em processo judicial a possibilidade recursal:

 

“A garantia do devido processo legal engloba o direito ao duplo grau de jurisdição, sobrepondo-se à exigência prevista no art. 594 do CPP. IV - O acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais. V - Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992, data posterior à promulgação Código de Processo Penal.” (STF, HC 88.420, 1ª Turma, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJ em 06.06.2007)

 

E nem se alegue que o enunciado na Súmula 704 deste Colendo TRIBUNAL SUPREMO torna prejudicado o que aqui se alega, já que nenhum dos precedentes citados como motivadores de sua prolação tratava de hipóteses de competência originária deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e, portanto, a ser solucionado definitivamente em instância única.

 

A mesma sorte está reservada à possível alegação de preclusão do tema – que não houve, já que a prerrogativa de foro do defendente só cessou com o fim de seu mandato parlamentar, ocorrido no início de 2011 – visto que matérias de ordem pública, como a vertente, não são atingidas pelo instituto.

 

Nessa medida, não se pode ignorar que é uma garantia com força constitucional – ou, ao menos, supralegal – o duplo grau de jurisdição e, por esta razão, não pode ser negada aos jurisdicionados em qualquer hipótese, ainda mais com respaldo em  legislação meramente ordinária.

 

Com tamanho despautério, por certo, este TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não há de compactuar, afinal, de acordo com o destacado com o costumeiro requinte pelo ilustre MINISTRO CELSO DE MELLO:

 

“O Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Essa alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário.

O Juiz, no plano da nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição – e garante de sua supremacia – na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular.

É dever dos órgãos do Poder Público – e notadamente dos juízes e Tribunais – respeitar e promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionais e assegurados pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana.

O respeito e a observância das liberdades públicas impõem-se ao Estado como obrigação indeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos direitos fundamentais da pessoa humana.

O conteúdo dessas liberdades – verdadeiras prerrogativas do indivíduo em face da comunidade estatal – acentua-se pelo caráter ético-jurídico que assumem e pelo valor social que ostentam, na proporção exata em que essas franquias individuais criam, em torno da pessoa, uma área indevassável à ação do Poder.” (STF, RE 349.703, Plenário, Relator para acórdão Ministro GILMAR MENDES, julgado em 03.12.2008. DJ em 05.06.2009)

 

Pelo exposto, outra alternativa não há, ao nosso TRIBUNAL guardião da Carta Maior, senão o declínio da competência para o julgamento do presente feito com relação ao defendente, que já não goza de nenhuma das prerrogativas conferidas a membros do Poder Legislativo.

 

Só assim restará preservado o direito fundamental do peticionário ao duplo grau de jurisdição.

 

Afinal, é só com a observância estrita da Constituição Federal que se mantém hígido o Estado Democrático de Direito.

 

 

 

III – CERCEAMENTO DE DEFESA

 

Acaso este Colendo TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entenda por bem superar a tese acima desenvolvida para submeter o acusado a julgamento em instância única – o que se cogita por mero exercício dialético –, há, ainda, outra ilegalidade que está a impedir, neste momento, a prolação de sentença.

 

Vejamos.

 

De acordo com o já consignado, entenderam por bem Vossas Excelências proclamar, em Juízo prelibatório, a parcial imprestabilidade da acusação.

 

A defesa, neste momento, data vênia, insiste ser absolutamente inepta toda a acusação formulada na exordial e referendada nas derradeiras alegações ministeriais, agora sob a perspectiva do imenso prejuízo suportado pelo defendente com tão mal traçada acusação, a impossibilitar um exercício pleno do seu direito à defesa.

 

Escusa-se, pois, esta defensoria que se vê obrigada a repetir muito do quanto já registrado por ocasião da defesa preliminar: a denúncia, mais que simples proposta acusatória destinada à final condenação dos réus, é sobretudo a peça que delimita a imputação e, nessa medida, permite à defesa conhecer exatamente os fatos atribuídos aos denunciados.

 

O direito à ampla defesa e ao contraditório torna-se letra morta diante de uma exordial acusatória obscura, genérica, omissa em expor não só os elementos dos delitos que increpa ao denunciado, mas também as circunstâncias em que as infrações teriam sido praticadas. Denúncia deficiente reflete-se em acusação arbitrária, capaz de fomentar tormentoso processo criminal e pôr em xeque a liberdade do acusado sem que ele ao menos saiba do que deve se defender.

 

Precisamente para resguardar o sacrossanto direito do réu à defesa e impedir que processos kafkianos ganhem atualidade, o Código de Processo Penal incorporou à denúncia inafastáveis requisitos formais. Consoante dispõe o artigo 41 do Diploma Processual,“a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” (grifamos).

 

Não por outro motivo ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES e ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO pontificam com acerto:

 

“A instauração válida do processo pressupõe o oferecimento de denúncia ou queixa com exposição clara e precisa de um fato criminoso, com todas as suas circunstâncias. (...) A narração deficiente ou omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios constitucionais”.

(As Nulidades no Processo Penal, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998, p. 95, grifamos)

 

Entre as circunstâncias do fato criminoso a serem descritas em sua totalidade pela denúncia, é certo que se inclui a forma pela qual o denunciado teria contribuído para a consecução do delito. Não basta que a denúncia simplesmente narre o fato havido por criminoso; deve ainda – e principalmente – descrever como o indigitado autor supostamente concorreu para sua prática.

 

Em casos de co-autoria, ganha especial importância a completa individualização da participação dos supostos autores no crime imputado, em oposição à genérica descrição do fato em tese delituoso.

 

Assim se depreende das precisas palavras de HUGO DE BRITO MACHADO:

 

É evidente que se mais de uma pessoa participa da prática ilícita, a participação de cada uma é circunstância do fato criminoso e como tal deve constar da denúncia”.

(Direito Penal Empresarial, Dialética, São Paulo, 2001, p. 122, grifamos)

 

Os já citados ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES e ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO corroboram esse entendimento na seguinte lição:

 

“Em hipóteses de co-autoria, a peça acusatória deve historiar a participação de cada um dos acusados, a fim de que possam individualmente responder à imputação”.

(As Nulidades no Processo Penal, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998, p. 96)

 

Ao especificar a participação de cada denunciado, a peça acusatória, além de atender o legítimo interesse da defesa em conhecer detalhadamente a imputação, afasta a odiosa incidência da responsabilidade objetiva no âmbito penal.

 

Uma exordial genérica, que veicule imputação idêntica a todos os denunciados sem particularizar a atuação de cada um deles no delito, ofende induvidosamente o princípio da culpabilidade. Receber peça acusatória com essa mácula significa considerar válida acusação que prescinde da demonstração do dolo ou culpa dos denunciados, restringindo-se a narrar fato abstrato e resultado lesivo sem descrever o liame entre conduta individual e consumação do delito.

 

A jurisprudência, apesar de admitir certa atenuação do rigor do artigo 41 nas denúncias nos crimes de autoria coletiva, também vem proclamando reiteradamente ser inescusável que a peça acusatória especifique ao menos o modo pelo qual cada denunciado concorreu para a consecução do delito.

 

Nessa linha, ambas as Turmas deste Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já se posicionaram frontalmente contrárias a denúncias genéricas.

 

A  Colenda Segunda Turma, pelas mãos do ínclito MINISTRO GILMAR MENDES, assim decidiu:

 

“Quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo 1º, III, da Constituição.

Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [‘Eine Auslieferung des Menschen na ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 118).

Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.” (STF, HC 84.409-SP, julgado em 14.12.04, DJ em 19.08.2005)

 

Também o ilustre MINISTRO CELSO DE MELLO, com costumeira clareza, proferiu voto nos autos do acima citado Habeas corpus:

 

A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato criminoso, não se projeta, nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo estatal. A ‘persecutio criminissofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento jurídico. A tutela da liberdade representa, desse modo, uma insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado.

As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dispensadas pela ordem jurídica à preservação pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo acusado, do seu natural estado se liberdade.

Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade do ‘jus libertatis’ titularizado pelo réu, de outro.

A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis da República, traduzem limitações significativas ao poder do Estado (RTJ 161/264-266, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu (JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, ‘O processo Criminal Brasileiro’, vol. I/8, 1911).”

 

No mesmo sentido:

 

“Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Habeas deferido”.

(HC 80.549/SP, Relator Ministro NELSON JOBIM, julgado em 20.03.01, grifamos)

 

Em outro julgado, o MINISTRO GILMAR MENDES, em voto vencedor, estancou com primazia o debate sobre a questão:

 

É preciso insistir na advertência – tendo em vista a natureza dialógica no processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, ‘O Processo Penal na Atualidade’, ‘in’ ‘Processo Penal e Constituição Federal’, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) – de que não se pode desconsiderar, na análise do conteúdo da peça acusatória (conteúdo esse que delimita e que condiciona o próprio âmbito temático da decisão judicial), o fato de que o sistema jurídico vigente no Brasil impõe ao Ministério Público, quando este deduzir determinada imputação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do ‘due process of law’, e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação.

Cumpre ter presente, desse modo, na linha do que tenho enfatizado em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte (HC 79.399/SP, HC 80.799/RJ, HC 80.812/PA e HC 86.294/SP, v.g.), que se impõe, ao Estado, no plano da ‘persecutio criminis’, o dever de definir, de modo preciso, a participação individual dos autores de quaisquer delitos, inclusive dos delitos societários, pois não tem sentido, sob pena de grave transgressão aos postulados constitucionais, permitir-se que a discriminação da conduta de cada denunciado venha a constituir objeto de prova a ser feita ao longo do procedimento penal.....

Mais do que a indispensável individualização do comportamento atribuído a cada réu, cabe, ao Ministério Público, ao formular a acusação penal, descrever – estabelecendo-se na própria denúncia – a relação causal entre a conduta imputada a cada um dos agentes e as práticas delituosas por eles supostamente cometidas.

(...)

Não custa enfatizar, portanto, – e torna-se imperioso fazê-lo – que, no sistema jurídico brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpa de alguém.

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade penal por mera suspeita.

Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer para fins de prolação de juízo condenatório”

(STF, HC 86.879-SP, j. 21.02.06, DJ 16/06/2006, grifos originais)

 

Com ênfase semelhante, a Primeira Turma da CORTE SUPREMA assentou:

 

“O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas. (...)

A mera invocação da condição de quotista, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos delitos societários, fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não se revela suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a decretação de uma condenação penal.”

(HC 73590/SP, Relator Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 06.08.96, grifamos)

 

Na mesma linha, paradigmático julgamento realizado neste PRETÓRIO EXCELSO:

 

“Com efeito, o CPP exige a exposição do fato delituoso com todas as circunstâncias, para excluir exatamente a insegurança que traz a denúncia incompleta e deficiente, que dá margem ao arbítrio, dificultando a defesa, não havendo que se falar, sem violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, na possibilidade de virem tais dados, essenciais, a ser oportunamente descritos no curso do processo. Trata-se, ao revés, de nulidade absoluta, insanável, que impede o recebimento da preambular.

No que concerne ao crime de quadrilha, portanto, como se viu, a denúncia padece de duplo vício, fatal, de não descrever o fato criminoso e de não descrever as suas circunstâncias.

De efeito, limita-se ela, ao longo de seu texto, a fazer referência a concerto de vontades, para efeito da prática de crimes, como se já houvesse libelado a respeito, deixando de descrever, como se fazia mister, entre outras circunstâncias, o vínculo associativo, o modo, o momento e o lugar em que se teria ele estabelecido, e, bem assim, quais as pessoas nele envolvidas.

Despercebida desse dever indeclinável, para repetir a expressão utilizada pelo Ministro Pedro Chaves, limita-se  a inicial a presumir a existência da societas por meio de ilação tirada da existência de amizade entre o ex-Presidente e Paulo César Farias; de ajuda eleitoral prometida a terceiro; da troca de agência bancária, para a movimentação de conta corrente; e, ainda, da circunstância de um dos acusados ser empregado de outro.

É certo que, na prática, como adverte Nelson Hungria, não é fácil demonstrar a existência de quadrilha, de modo que ‘a certeza só é possível, as mais das vezes, quando se consegue rastrear a associação pelos crimes já praticados’ (Comentários, vol. IX, Forense, 1958, p. 181).

Não está o Mestre, nesse trecho, todavia, falando em descrição do crime, mas na prova de sua ocorrência. Uma coisa, na verdade, é provar que a suposta quadrilha se formou, tarefa própria da fase instrutória. Coisa diversa, porém, é descrever a sua formação, encargo que, embora de fácil execução, não pode ser dispensado, porquanto essencial para a validade da denúncia.

Nesse ponto, a denúncia ora examinada é tão imprecisa e insegura que, mediante mera capitulação, chega a atribuir o citado crime a vários réus, sem a mínima referência à participação destes no grupo que presume ter sido organizado para a prática de crimes, como ocorreu relativamente aos empregados de Paulo César Farias, emitentes de cheques com nomes fictícios.”

(STF, Inq 705-6-DF, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, j. 28.04.93, DJ 03.05.93)

 

Delineia-se então, com clareza meridiana, a já sedimentada conclusão de que a participação individual de cada agente na prática do ilícito penal – afinal, circunstância do fato criminoso – deve estar descrita na denúncia, sob pena de caracterizá-la como inepta e causar um prejuízo imensurável à defesa do acusado.

 

Em conseqüência, é pacífico que a denúncia deve, pelo menos, esclarecer o vínculo concreto entre cada denunciado e a infração penal irrogada, não bastando ao cumprimento desse mister a simples alusão ao cargo ocupado pelo denunciado.

 

No presente caso, a denúncia oferecida contra o peticionário fez tábula rasa da necessária individualização de sua imaginada conduta. Não foi ele denunciado pelo que fez (ou deixou de fazer): foi acusado pelo que era.

 

Com efeito, a peça inaugural inicia sua acusação nos seguintes termos:

 

o núcleo principal da quadrilha era composto pelo ex Ministro José Dirceu, o ex tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, o ex Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores, Sílvio Pereira, e o ex Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno.

Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda financeira.

O objetivo desse núcleo principal era negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados.

Com efeito, todos os graves delitos que serão imputados aos denunciados ao longo da presente peça têm início com a vitória eleitoral de 2002 do Partido dos Trabalhadores no plano nacional e tiveram por objetivo principal, no que concerne ao núcleo principal integrado por José Dirceu, Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genoíno, garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros Partidos Políticos e do financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais.” (fls. 5.622, grifamos)

 

Já de antemão, abre-se um parêntesis para registrar que “negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados”, não constitui conduta criminosa. Aliás, ao contrário, constitui tarefa lícita, rotineira e necessária a qualquer partido político.

 

No transcorrer de toda a denúncia, o ilustre ex-Procurador-Geral da República imputa, de maneira indiscriminada e aleatória, diversos comportamentos ilícitos pretensamente praticados em conjunto pelos denunciados JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, SÍLVIO PEREIRA e o peticionário. 

 

Com efeito, por muitas vezes, referindo-se aos dirigentes do Partido dos Trabalhadores como “núcleo central da quadrilha”, generaliza condutas indistintamente, como se o partido político em questão fosse um indivisível e homogêneo átomo.  

 

Na única – e frustrada – tentativa de separar as condutas praticadas pelo “núcleo central”, cingiu-se a exordial acusatória a afirmar, em relação a JOSÉ GENOINO NETO, que “como Presidente do Partido dos Trabalhadores, participou dos encontros e reuniões com os dirigentes dos demais Partidos envolvidos, onde ficou estabelecido o esquema de pagamento de dinheiro em troca de apoio político, operacionalizado por Delúbio Soares, Marcos Valério, Cristiano, Ramon, Rogério, Simone e Geiza”. E finalizou: “Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José Genoíno, até pelo cargo partidário ocupado, era o interlocutor político visível da organização criminosa” (fls. 5.635, grifamos).

 

É pacífico que uma denúncia criminal deve esclarecer o vínculo concreto entre os denunciados e a infração penal irrogada.

 

Para o cumprimento desse mister, não basta à denúncia simples alusão ao “cargo partidário ocupado” pelo denunciado no Partido dos Trabalhadores. Seria necessário que a peça exordial descrevesse a participação individual de cada agente na prática do suposto crime, como exige o artigo 41 do Código de Processo Penal, o que não foi feito.

 

Conforme já decidiu o Plenário deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, “a doutrina e a jurisprudência da Casa repelem a denúncia genérica, exigindo-se que nela se contenha a descrição mínima da participação de cada acusado na conduta delitiva[2].

 

No presente caso, a narrativa dos fatos na denúncia responsabiliza, de maneira abusivamente ampla, o “núcleo central” do Partido dos Trabalhadores, impedindo que a defesa de cada denunciado saiba por quais atos concretos o mesmo é acusado.

 

Dessa maneira, revelando sua gritante e incontornável inépcia, a peça acusatória opta às escâncaras pela odiosa  responsabilização objetiva.

 

É o que se verifica quando a exordial imputa as condutas tidas por delituosas aos “dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores”.

 

Nenhuma ação efetiva é atribuída ao denunciado. Falta nexo causal que o associe aos pretensos delitos. Não se esclarece de que forma e por que meios teria ele concorrido na execução dos supostos crimes.

 

Como deixa claro com elogiável honestidade a própria peça vestibular, a submissão do denunciado ao constrangimento de responder a processo penal deve-se exclusivamente à sua posição de presidente do Partido dos Trabalhadores.

 

Ora, se assim como nos casos de delitos societários, “ser sócio não é crime[3], por analogia, ser presidente de partido político tampouco pode ser considerado ilícito penal. Para que se possa validamente atribuir ao presidente do Partido dos Trabalhadores delito em princípio cometido no âmbito do próprio partido, é imprescindível que se decline na denúncia a suposta conduta de cada agente e o nexo entre ela e o alegado resultado criminoso.

 

Nesse sentido, lapidar a lição de DAMÁSIO E. DE JESUS:

 

Quando se trata de crime cometido por intermédio de empresa, não é suficiente à autoridade policial ou ao Ministério Público a descrição genérica e impessoal do fato, como se tivesse sido cometido pela pessoa jurídica (no estágio atual da legislação penal brasileira, incapaz de cometer delitos), relegando para a instrução criminal a individualização dos comportamentos.”

(A Denúncia nos Crimes Cometidos por Meio de Empresa, Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n° 2, p. 19)

 

Ainda a respeito do tema, com costumeiro brilhantismo se posicionou o aclamado jurista alemão BERND SCHÜNEMANN:

 

“(...) para poder determinar adecuadamente la responsabilidad penal de la dirección de la empresa, se tiene que penetrar en la fachada descriptiva del concepto de acción y después preguntar por qué se le puede imputar de forma razonable un suceso a una persona; cuál es, entonces, el principio fundamental que rige con perfecto derecho para la imputación de un suceso que lesiona un bien jurídico a una persona en el Derecho penal, cuyo fin consiste en la prevención de lesiones de bienes jurídicos. El destinatario de la norma del Derecho penal tiene que ser, evidentemente, la persona que toma la decisión sobre la ejecución de la lesión del bien jurídico, que ciertamente domina el suceso que conlleva al resultado criminal; o, como ya he formulado anteriormente, el que posee el dominio sobre la causa del resultado.”

(BERND SCHÜNEMANN, Temas actuales y permanentes Del derecho penal después del milenio, Tecnos, 2002, p. 131, grifamos)

 

Em julgamento desta CORTE SUPREMA, o voto vencedor do Eminente MINISTRO CEZAR PELUSO igualmente rechaçou a validade de denúncia genérica formulada nos mesmos moldes da ora questionada, especialmente na imponente passagem que se aplica por completo ao presente caso:

 

“Como é vistoso, não se atribui aí, a esse nem àquele, nenhum comportamento criminoso! O que esse fecho da inicial imputa aos denunciados é só a responsabilidade pela administração da empresa, não a prática, sequer no exercício da mesma administração, de algum particular comportamento típico. Ser administrador de empresa não é por si só, escusaria dizê-lo, coisa criminosa, de modo que, porque o fosse em certas circunstâncias, deveriam ter sido descritas, na denúncia, de forma minudente, ações e/ou omissões mediante as quais cada administrador teria, nessa condição, infringido ambas aquelas normas. A denúncia diz apenas: ‘Assim agindo...’. Assim, como?

Cumpria, pois, estivessem descritas, com todas suas circunstâncias, as eventuais ações ou omissões que, praticadas, pessoal, consciente e finalisticamente, pelo primeiro réu, na específica qualidade de administrador das empresas, se amoldariam aos tipos penais. Ou, de forma mais descongestionada, cumpria à denúncia responder à seguinte questão: ‘o que fez ou deixou de fazer FRANCISCO RENAN ORONOZ PROENÇA?’

De sua leitura, nada se sabe, senão apenas que era diretor presidente de uma delas, a qual teria perpetrado ações criminosas contra o sistema financeiro nacional, sem que se logre entrever ou vislumbrar sequer razão jurídica que teria levado o acusador a creditar ao ora paciente a autoria dos supostos crimes”.

(HC 83.301/RS, 1ª Turma, julgado em 16.03.04, grifamos)

 

Ao final da leitura da denúncia aqui combatida, a mesma indagação formulada pelo Eminente Ministro fica igualmente sem resposta: afinal, o que fez ou deixou de fazer JOSÉ GENOINO NETO?

 

De se frisar – uma vez mais – que ser um dos dirigentes da cúpula do Partido dos Trabalhadores não acarreta, por si só, automaticamente, a responsabilidade pessoal – notadamente na esfera criminalpor todos os atos praticados pelo partido!

 

O reconhecimento da debilidade da acusação para o regular exercício da defesa é de rigor!

 

Nesta perspectiva, calha a lição do insuperável NÉLSON HUNGRIA, que pontificou:

 

“É necessária a culpabilidade (culpa ‘sensu lato’) do agente, isto é, que tenha havido uma vontade a exercer-se, livre e conscientemente, para o resultado antijurídico...” “Sem culpabilidade não é admissível irrogação de pena. Nulla poena sine culpa. É este um princípio central de direito penal moderno, a que o nosso Código vigente se ajustou, repelindo irrestritamente a chamada responsabilidade objetiva ou sem culpa.”

(Comentários ao Código Penal, vol. I, tomo II, Forense, Rio de Janeiro, 1978, p. 112/113)

 

No mesmo sentido, ainda, o ensinamento do mestre MAGALHÃES NORONHA:

 

“O artigo 15 consagra a regra nullum crimem sine culpa, declarando não haver delito sem dolo ou culpa stricto sensu. Repudia, destarte, o dispositivo a chamada responsabilidade objetiva ...” (Direito Penal, vol. I, Saraiva, 1982, p. 155)

 

Enfim, absolutamente pacífico que:

 

O HOMEM RESPONDE PELO QUE FAZ E NÃO PELO QUE É. PRINCÍPIO DO ATO E NÃO DO SER. PARA O DIREITO, SER É AGIR: SER CRIMINOSO É PRATICAR UM CRIME.”

(EVERARDO DA CUNHA LUNA, Capítulos de Direito Penal, Parte Geral, Saraiva, São Paulo, 1985,  p. 34, grifamos)

 

Mais recentemente, reafirmando tal posicionamento, lecionou o eminente Professor Hugo de Brito Machado:

 

A aplicação da sanção penal segue sendo dificultada pela tese, das mais razoáveis, segundo a qual não pode haver responsabilidade penal sem culpa. UM DIRIGENTE DE PESSOA JURÍDICA QUE NÃO PARTICIPOU DE NENHUM MODO NA PRÁTICA DO ILÍCITO, NÃO PODE RESPONDER POR ELE, SUPORTANDO A SANÇÃO CORRESPONDENTE.” (ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA e DEJALMA DE CAMPOS, “Ilícito Tributário”, in Direito Penal Tributário Contemporâneo: estudos de especialistas, Atlas, São Paulo, 1995, p. 53, grifamos)

 

É inelutável que a simples condição de presidente de partido político não pode levar à presunção de que tenha o acusado aderido, conscientemente, à conduta supostamente delituosa, dela participando de qualquer modo.

 

E, de fato, por mais que a exigência de individualização das condutas possa ser mitigada nos chamados delitos coletivos, admitido o abrandamento dos requisitos inscritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, é certo que o divórcio entre a denúncia e os elementos da realidade, com a definição da autoria calcada cegamente no cargo ocupado pelo denunciado, não pode ser admitida!

 

Que prova, para contrapor esta acusação genérica, poderia produzir o defendente? Nenhuma!

 

Ele, de fato, foi presidente do partido. Mas nunca, no exercício do cargo, cometeu – ou assentiu com o cometimento de – qualquer ilegalidade.

 

Para conseguir comprovar que não fez algo, o acusado precisa, ao menos, ter consciência sobre a conduta que gerou a acusação. A exordial aqui tratada, porém, não descreve uma só conduta criminosa levada a cabo pelo defendente.

 

Portanto, necessário o repúdio a acusação que imputa aleatoriamente pretensos delitos ao “núcleo central” do Partido dos Trabalhadores, sem a indispensável individualização das condutas de cada denunciado.

 

Caso contrário, admitir-se-ia o descumprimento do mandamento inscrito no artigo 41 do Código de Processo Penal e a ofensa aos princípios constitucionais insculpidos no artigo 5º, incisos XLV, LIV e LV (princípio da culpabilidade pessoal, do devido processo legal e da ampla defesa), bem como ao disposto no artigo 8º, item 2, b, do Pacto de San Jose da Costa Rica, segundo o qual “toda pessoa acusada de um delito tem direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada”.

 

Diante deste quadro, o recebimento, ainda que parcial, de denúncia inepta, que, sem lastro em um único indício de participação, houve por bem atribuir objetivamente a autoria ao presidente e integrante da cúpula do Partido dos Trabalhadores, constituiu, data vênia, imensa ilegalidade. Com isso, outra possibilidade não há, para o nosso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, neste momento, senão a declaração de nulidade do feito desde o v. acórdão que assentiu com acusação tão mal traçada.

 

 

 

 

 

IV – IMPRESTABILIDADE DE TODAS AS ACUSAÇÕES

 

A absoluta inépcia da inicial, para além de promover imenso prejuízo ao amplo exercício da defesa, é sintoma evidente da falta de respaldo material para tão fantasiosa acusação em desfavor do defendente.

 

A título de ilustração, basta verificar que a peça inaugural cita o peticionário 58 vezes, sendo 46 nominalmente e o restante como membro do “núcleo central”, ao passo que nas MILHARES de páginas que instruíram a notificação (29 volumes de Inquérito Policial e 19 volumes de Apensos), JOSÉ GENOINO NETO é mencionado 35 vezes, nas quais 11 delas por pessoas que afirmam não o conhecer.

 

Aliás, merece registro imediato: nas extensas – tudo aqui é extenso, longo, por vezes cansativo, ordinariamente desnecessário – alegações finais ofertadas pelo Parquet, ao propugnar pela condenação de GENOINO, faz o órgão acusatório uma contraditória não-acusação como quem diz sem dizer, acusa sem acusar, pede condenação sem verdadeiramente condenar. Tudo porque não conseguiu angariar, ao longo da instrução criminal, uma só prova que o socorresse.

 

Inicialmente, cumpre observar que um partido político estruturado como é o Partido dos Trabalhadores, ao contrário de uma empresa, não apresenta situação hierárquica entre seus dirigentes. Em outras palavras, não há relação de subordinação entre o presidente e qualquer outro secretário da agremiação. Há, sim, atribuições distintas e independentes previstas, no mais das vezes, no estatuto interno do partido.

 

De fato, não encontra suporte mínimo na realidade do dia-a-dia – na razoabilidade, na plausibilidade, na verossimilhança – a simples suposição de que o presidente de um partido político de grande porte se dedique e participe de absolutamente todos os trâmites administrativos, políticos e sociais pertinentes à entidade.

 

Assinale-se particularidade contemplada pelo Partido dos Trabalhadores que reforça a autonomia de competências, prevendo e realizando eleições para os cargos do Diretório Executivo do partido (PED – Processo de Eleições Diretas) – que não eram, portanto, preenchidos por meio de indicações e nomeações.

 

E mais.

 

Não bastasse o processo inovador e democrático de eleições internas, acrescente-se que JOSÉ GENOINO NETO assumiu a presidência do partido devido à saída do então presidente JOSÉ DIRCEU – chamado para compor o Governo Federal. Na ocasião, toda a Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores já havia sido eleita pelo Diretório Nacional, não havendo qualquer ingerência de sua parte para a escolha de seus integrantes e, também por isso mesmo, qualquer relação de hierarquia.

 

É o que se extrai de suas declarações prestadas perante o Departamento de Polícia Federal do Estado de São Paulo:

 

“Que ao assumir a presidência do Partido dos Trabalhadores, a Comissão Executiva do PT já tinha sido eleita pelo Diretório Nacional, não tendo o Declarante indicado nenhum membro; Que assumiu o cargo em sucessão ao então presidente JOSÉ DIRCEU” (fls. 4.210/4.211)

 

No mesmo sentido foram suas declarações prestadas em Juízo:

     

“Quando assumiu a Presidência do PT, os demais membros da executiva já estavam no exercício desde 2001 por eleição direta; QUE se afastou da executiva do PT para disputar o Governo de São Paulo; QUE o presidente do PT, antes do réu aqui presente, era JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA” (fls. 14.325)

 

JOSÉ GENOINO NETO também foi  preciso, tanto em sede policial como judicial, ao delimitar suas funções:

 

“Que durante sua gestão como presidente do PT expressou publicamente em diversas oportunidades que não iria se ocupar de três tarefas: 1) da sede do partido, 2) das finanças partidárias, 3) das reivindicações de cargos públicos que o partido tinha junto ao governo; Que da mesma maneira, expressou que iria se ocupar da representação política do partido com as seguintes tarefas: 1) relação com a base do partido e os movimentos sociais, 2) relações do partido com suas bancadas no Congresso Nacional, 3) defesa do projeto do Governo LULA e 4) articulação das alianças políticas” (fls. 4.212, grifamos)

 

“Como presidente do PT, suas atribuições constam no estatuto do partido e também representava o partido junto às bases do partido, junto à sociedade e nas relações políticas do Governo do PT; QUE também representava o partido nas relações com a bancada da Câmara Federal e do Senado Federal e nas relações políticas com os partidos que apoiavam o Governo.

(...)

QUE quando assumiu a Presidência do PT, ficou bem claro pelo réu que a parte de administração das finanças do partido, a indicação de cargos e a administração da sede não seriam suas atribuições” (fls. 14.325/14.326)

 

De fato, é inconteste nos autos não ter o defendente qualquer aptidão para a gerência de finanças. Sua função dentro do partido sempre foi a articulação política.

 

Para corroborar esse distanciamento do defendente das contas do Partido Político que presidiu democraticamente, são vastos os testemunhos:

 

“Saberia responder se, quando o Deputado Genoíno assumiu a presidência do Partido dos Trabalhadores, ele tratava de questões financeiras relacionadas ao partido?

O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO: À época em que o Deputado José Genoíno foi o presidente nacional do PT, eu não era membro da direção nacional. Agora sou secretário-geral nacional. Mas, à época, como eu era deputado federal, convivia imensamente com a bancada, particularmente com o Deputado José Genoíno, com que sempre tive uma grande identidade política e pessoal. Posso lhe garantir que o Deputado José Genoíno – inclusive, cheguei a dizer que considerava isso uma falha do deputado – se comportava mais como um deputado do que efetivamente como um gestor do PT. Ele participava diariamente das nossas sessões, e, inclusive, algumas vezes, ponderei a ele que achava bom que ele cuidasse um pouco mais do partido, que ele não era mais parlamentar. Mas o Deputado Genoíno, a questão do Parlamento está na veia dele. Portanto, essa é uma crítica que, à época, fiz a ele e, curiosamente, também faço hoje, quando, participando dos debates do PT na condição de candidato a presidente do PT, digo que o presidente do PT tem que ser presidente do partido, não pode se colocar como parlamentar ou exercer outra função. Seu papel é no partido, inclusive, fazendo a gestão político-administrativa do partido. O Deputado José Genoíno seguramente não exercia essa atividade. Considero até uma falha da sua gestão.” (fls. 42.731/ 42.747)

 

“Ele [JOSÉ GENOINO] tratava de questões financeiras?

O SR. MIRO TEIXEIRA: Não. Eu vou lhe dizer, novamente – não sei se o Genoíno vai se ofender com isso –, não, eu nunca vi o Genoíno interessado em qualquer projeto do tipo lei da sociedades anônimas, Código Civil, direito dos contratos. Eu só vi o Genoíno metido em discussões relativas a direitos individuais, a lutas de residência, enfim, a esses outros temas que são de uma política no sentido estrito da palavra. Nunca vi o Genoíno em qualquer discussão, em qualquer debate orçamentário, sequer, que é uma atribuição do parlamento, atribuição originária do parlamento, não é? Não me pareceu que ele tivesse interesse e aptidão pela matéria” (fls. 42.696/42.708).

 

“Vossa Excelência saberia me dizer, ou precisar, aqui nesta oitiva, se a posição do Deputado Genoíno, enquanto à frente da presidência do Partido dos Trabalhadores, era uma posição política ou financeira?

O SR. ÂNGELO CARLOS VANHONI: Olha, eu conheço o Genoíno desde o início da minha militância no Partido dos Trabalhadores, que é no período desde a fundação, muitos anos. A atuação do Genoíno não só no partido, mas também na presidência do partido, sempre foi do ponto de vista do grande debate ideológico que existe na nossa sociedade. O Partido dos Trabalhadores tem uma visão do processo social e político do nosso País, o Genoíno é um militante com uma visão muito clara deste processo e a participação do Genoíno dentro do PT sempre se deu do ponto de vista da discussão política a respeito da nossa sociedade, da conjuntura, dos desafios que estavam colocados para a classe trabalhadora. Então, eu nunca tive nenhum relacionamento e não conheço a participação do José Genoíno em qualquer ato administrativo do nosso partido” (fls. 42.637/42.642)

 

“Excelência, quando o Deputado Genoíno exerceu a presidência do Partido dos Trabalhadores, chegou a tratar de questões financeiras com Vossa Excelência?

O SR. MAURÍCIO RANDS COELHO BARROS: Não.

DEFESA: Qual era a postura assumida pelo então presidente do partido com relação à bancada do Partido dos Trabalhadores?

O SR. MAURÍCIO RANDS COELHO BARROS: Ele fazia a articulação política entre partido e bancada. Ele já tinha sido deputado, então tinha uma capacidade de articulação muito grande com a bancada e com parlamentares de outros partidos.

DEFESA: Então não havia questões financeiras?

O SR. MAURÍCIO RANDS COELHO BARROS: Não. A intervenção de Genoíno era na articulação política da discussão dos caminhos políticos e das posições que as bancadas, sobretudo a do PT, iriam tomar em face de cada proposição em tramitação no parlamento.” (fls. 42.589/42.599)

 

“DEFESA (SEGUNDO INTERROGANDO): A partir de janeiro de 2003, o José Genoíno assumiu a presidência do PT nacional em substituição ao José Dirceu, que foi alçado à chefia da Presidência da República. Então, o período de presidência do senhor no PT·DF coincide com um certo período de presidência do Genoíno no PT nacional. Justamente esse período que o senhor relatou de grandes dificuldades financeiras por parte do PT do Distrito Federal. A minha pergunta é se o senhor tratou dessas dificuldades financeiras com o José Genoíno?

O SR. WILMAR LACERDA: A minha relação com o Genoíno também é uma relação muito próxima à militância do PT, eu o conhecia muito antes disso, nas diversas reuniões que participávamos, tanto da corrente, quanto como dirigente, e, quando ele assumiu a presidência nacional do PT em função da ida do companheiro José Dirceu para a Casa Civil, acho que por duas vezes procurei o presidente Genoíno para tratar de questões financeiras do PT, e, em todas essas duas vezes, ele pediu que eu tratasse diretamente com o Delúbio, dizendo que não se envolvia na questão financeira do PT.” (fls. 42.537/42.544)

 

“DEFESA: O senhor poderia nos dizer de que se ocupava, quais eram as principais ocupações do Genoíno como presidente do partido?

O SR. PAULO ADALBERTO ALVES FERREIRA: Desde que ele assumiu, em janeiro de 2003, até o momento da sua saída, o Genoíno tinha como atividade fundamental a condução política e a representação política do Diretório Nacional.

DEFESA: O José Genoíno era alguém que cuidava, no dia a dia, das finanças do PT?

O SR. PAULO ADALBERTO ALVES FERREIRA: Para quem conhece o Genoíno sabe que a sua dedicação, seja no mandato parlamentar, seja na condição de presidente nacional do PT, sempre foram os assuntos restritos à representação política.

DEFESA: O Genoíno, como presidente do partido, era alguém centralizador ou, ao contrário, alguém que delegava funções?

O SR. PAULO ADALBERTO ALVES FERREIRA: O Genoíno, em excelência, sempre foi um presidente de representação e delegava todas as funções entre os secretários executivos. O Genoíno nunca foi de centralizar ações ou de controlar o mandato.

DEFESA: Os empréstimos bancários tomados pelo PT, tratados nos autos deste processo, foram assinados pelo secretário de finanças e pelo presidente do partido. Como é que o senhor explicaria isso, já que o senhor disse que ele não tomava parte no dia a dia das finanças partidárias?

O SR. PAULO ADALBERTO ALVES FERREIRA: É da legalidade de todo o empréstimo que os dois responsáveis pela instituição tomadora do empréstimo, no caso, à época, o PT, sejam os responsáveis jurídicos, responsáveis diante da empresa que faz o empréstimo. Portanto, é da lei, não há nada de anormal nisso, que o presidente e o secretário de finanças assinem os empréstimos.

DEFESA: Assinem todo e qualquer contrato firmado pela ...

O SR. PAULO ADALBERTO ALVES FERREIRA: Prestação de serviço, contrato de fornecimento de serviços, todos são assinados pelo presidente, pelo secretário e são, a cada abril de cada ano, constantes na declaração de prestação de contas que o PT e os outros partidos fazem ao TSE” (fls. 42.364/42.380)

 

“Atualmente, é prefeita do município de Betim e já exerceu o cargo de presidente do diretório estadual do PT em MG por dois mandatos, de 99 a 2005; que conhece o Deputado José Genuíno Neto, que é do PT, já tendo sido Deputada juntamente com ele; que o Deputado José Genuíno foi presidente do diretório nacional no período coincidente do diretório estadual pela depoente, razão pela qual participou de várias reuniões com o mesmo; que, normalmente, as reuniões eram relativas a questões políticas e organizacionais; que as questões financeiras, normalmente não eram tratadas com o presidente do diretório nacional; que nunca discutiu e  trabalhou questões financeiras diretamente com o Deputado José Genuíno, enquanto presidente do diretório nacional do PT; que tem o Deputado José Genuíno como pessoa séria, lutadora e responsável; que desconhece qualquer fato que desabone a conduta social, moral ou profissional do Deputado José Genuíno” (MARIA DO CARMO LARA PERPÉTUO fls. 37.417/37.418).

 

“DEFENSORA: Como o senhor o descreveria na presidência Do Partido dos Trabalhadores, diante das suas atividades e compromissos?

TESTEMUNHA: A presidência do PT cuida mais da área política, né, das ações políticas do partido, da relação com a sociedade, organização partidária. É um tipo de concepção muito parecida com a da CUT, porque eu também, como presidente da CUT, sempre cuidei mais dessa área das ações políticas, da relação com a sociedade, das organizações das campanhas políticas do partido, da mesma maneira como está sendo aqui.

DEFENSORA: Deputado Genoíno chegou a tratar de questão financeiras do partido?

TESTEMUNHA: Que eu saiba, nunca. Ele sempre cuidou mais dessa área das ações políticas, nunca ouvi falar do partido que ele tenha tido alguma participação da gestões que não seja do partido. O PT sempre teve uma divisão de poder interno, cada dirigente que atua na direção nacional do partido, na executiva do partido cuida de um determinado setor. As questões financeiras do partido eram sempre cuidadas pela tesouraria do partido” (JOÃO ANTÔNIO FELÍCIO, fls. 29.647/29.654)

 

“DEFENSORA: Na presidência, quais eram as atividades dele, principais?

TESTEMUNHA: Eram atividades de representação do PT,que representava o PT nas negociações que naquele momento eram muito intensas, porque 2003, enfim, 2003 o Governo Lula estava começando, então, havia, enfim, uma intensa organização política e uma intensa agenda política que ele cumpria com o presidente principal partido do governo, obviamente uma agenda pesadíssima de reuniões, de articulação política, de formação de Ministério, formação de equipes, enfim, formação do governo. E além disso, durante todo o ano de 2003, teve a própria agenda também do governo que tinha impacto dentro do PT, então, por exemplo, que eu me recordo agora, talvez a agenda em 2003 que mais demandou tempo do Genoíno foi, que interferiu diretamente em torno do PT foi a Reforma da Previdência. Visto que, dentro do PT, inclusive, haviam grupos que não concordavam de fato, digamos assim, com os termos da reforma e foi uma agenda muito intensa, também, além que caminhou paralela a esta agenda propriamente de formação de governo, também tinha essa agenda da própria reforma dentro do PT que tinha muito impacto. Tanto que no final do ano, foram expulsas uma senadora e dois deputados em função de divergências internas, isso aí obviamente demandou muito tempo do Genoíno.

DEFENSORA: De todas essas atribuições, chegava a cuidar das questões financeiras do partido?

TESTEMUNHA: Não.” (SÉRGIO ONÓRIO GUERISOLI CARVALHO fls. 29.640/29.642)

 

A assinatura do defendente nos contratos de empréstimos questionados, portanto, era reflexo exclusivo de obrigação estatutária (doc. anexo).

 

E nada há nos autos a apontar em sentido diverso.

 

Com as parcas acusações lançadas, logrou-se produzir contundente acervo probatório – aqui apenas parcialmente trancrito, para que a peça não se estenda além do necessário – diametralmente oposto às pretenções do Ministério Público Federal que, em contrapartida, não teve êxito em trazer aos autos uma só linha que corroborase sua versão de ser o defendente  quem “procedia ao ajuste da vantagem financeira que seria paga” (fls. 45.144) aos parlamentares supostamente corrompidos.

 

Em face da absoluta inexistência de qualquer elemento a indicar – sequer remotamente – que teria JOSÉ GENOINO NETO participado – ou ao menos tomado conhecimento – dos fatos tratados na vestibular, sua responsabilização criminal significaria deplorável arbítrio.

 

Restou claro, todavia, que Vossas Excelências recebiam parcialmente a inicial acusatória – por formação de quadrilha e corrupção ativa em relação a Deputados Federais do PP e do PTB – aguardando, nas sábias palavras do MINISTRO GILMAR MENDES “O ADENSAMENTO DOS ELEMENTOS PARA UM EVENTUAL  JUÍZO DE CONDENAÇÃO” (fls. 12.779, grifamos).

 

Ou ainda, na dicção do experiente MINISTRO CELSO DE MELLO, que obteve a concordância expressa do cuidadoso MINISTRO RELATOR: “HÁ, REALMENTE INDÍCIOS MÍNIMOS, PORÉM SUFICIENTES PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, EMBORA NÃO TÃO CONSISTENTES PARA A FORMULAÇÃO DE UM EVENTUAL JUÍZO DE CONDENAÇÃO” (fls. 12.686, grifamos).

 

Finda a longa e rica instrução, o coeficiente de vazios em relação a JOSÉ GENOINO permanece inalterado. Rigorosamente NADA foi produzido em seu desfavor nas mais de 40 mil páginas dos autos!

 

Aguarda-se, assim, serenamente sua ABSOLVIÇÃO!

 

 

V – CORRUPÇÃO ATIVA

 

a)    Partido Progressista

 

                   Ao receber a denúncia no que pertine à suposta corrupção ativa praticada em contrapartida às pretensas condutas dos parlamentares PEDRO CORRÊA, PEDRO HENRY e JOSÉ JANENE, todos do Partido Progressista, assinalou o ínclito MINISTRO RELATOR:

 

“Com efeito, o seguinte trecho da denúncia  demonstra o papel supostamente desempenhado pelo denunciado José Genoino na consecução do crime do artigo 333 do Código Penal, no que tange à suposta prática de corrupção ativa em relação ao PP (fls.5.708):

‘O recebimento de vantagem indevida, motivada pela condição de Parlamentar Federal dos denunciados José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry, tinha como contraprestação o apoio político do Partido Progressista – PP ao Governo Federal.

Nessa linha, ao longo dos anos de 2003 e 2004, José Janene, Pedro Corrêa, Pedro Henry e João Claudio Genu receberam aproximadamente quatro milhões e cem mil reais a título de propina.

Após formalizado o acordo criminoso com o PT (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e Silvio Pereira), os pagamentos começaram a ser feitos pelo núcleo publicitário-financeiro.

Os recebimentos, por sua vez, eram concretizados com o emprego de operações de lavagem de dinheiro para dissimular os reais destinatários dos valores que serviam como pagamento de propina.

Ciente de que os valores procediam de organização criminosa dedicada à prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, os denunciados engendraram mecanismo para dissimular a origem, natureza e destino dos montantes auferidos’

Relativamente a este trecho da denúncia, é relevante a leitura dos depoimentos de VADÃO GOMES, JOSÉ JANENE e ELIANE ALVES LOPES (fls. 615/618) citados pelo Procurador-Geral da República em nota-de-rodapé.

Leio, em primeiro lugar, trecho do depoimento de VADÃO GOMES (fls. 1.718/1722):

‘Que nunca chegou a tratar de nenhum tipo de assunto com Delúbio Soares, esclarecendo que presenciou uma conversa havida entre o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e o presidente do mesmo partido, JOSÉ GENOINO, com os Deputados PEDRO HENRY e PEDRO CORREA, ambos do Partido Progressista; Que nessa conversa com os políticos dos dois partidos tentavam acertar detalhes de um possível aliança nacional; Que no decorrer de referido diálogo, escutou que os interlocutores mencionaram necessidade de apoio financeiro do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista em algumas regiões do País.’

Por sua vez, JOSÉ JANENE disse o seguinte (fls. 1702/1708):

‘Que no início do atual Governo Federal o Partido Progressista realizou com o Partido dos Trabalhadores um acordo de cooperação financeira.’

E, ainda, ELIANE ALVES dá indícios de que o mesmo suposto esquema de distribuição de recursos por MARCOS VALÉRIO foi adotado em relação ao PP (fls. 615/618):

‘Que se recorda de ter visto uma única vez JOÃO CLAUDIO GENU  na empresa SMP&B no edifício da CNC; Que nessa oportunidade JOÃO CLAUDIO GENU teria uma reunião com MARCOS VALÉRIO.’

Há, portanto, a suficiente descrição da conduta do denunciado JOSÉ GENOINO, com relação às imputações do crime de corrupção ativa, concernente ao Partido Progressista” (fls. 12.148)

 

Positivamente, descortina-se o que já se anunciava em capítulo anterior desta peça, no sentido de que se tal prova foi válida ao recebimento da exordial, é imprestável a uma condenação. E a instrução, de se observar, somente fez afastar ainda mais qualquer desconfiança que se pudesse ter em relação à sempre reta conduta do defendente.

 

O denunciado JOSÉ JANENE, interrogado na presente Ação Penal, esclareceu:

 

“Houve uma reunião entre o Presidente do Partido Progressista, Pedro Corrêa, e o nosso líder, na época, Deputado Pedro Henry e o Deputado José Genoino, que era presidente do PT e para se fazer um acordo não financeiro, mas um acordo político de apoio ao governo e isso incluía uma aliança política e nunca uma aliança financeira” (fls. 16.089, grifamos)

 

PEDRO CORRÊA, por seu turno, mostrou-se enfático e veemente ao ser interrogado:

 

Que nunca conversou com JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, JOSÉ GENOINO ou SILVIO PEREIRA sobre repasse de dinheiro do PT para o PP; que teve várias reuniões políticas com JOSÉ DIRCEU, JOSÉ GENOINO e SILVIO PEREIRA; que nessas reuniões foram discutidos pleitos dos deputados, divergências políticas e nunca se discutiu sobre questões financeiras dos partidos” (fls. 14.617, grifamos)

 

JOÃO CLÁUDIO DE CARVALHO GENÚ, na fase inquisitiva – bem como em Juízo – ao ser interrogado não faz qualquer referência a JOSÉ GENOINO NETO, dizendo apenas que o conhece (fls. 580/15.315).

 

Ao ser interrogado PEDRO HENRY asseverou que “nunca conversou sobre repasses de recursos de nenhuma fonte para o PP” (fls. 14.346).

 

Resta, pois, a figura de VADÃO GOMES, que ao mencionar o nome de JOSE GENOINO fez “mera referência a uma participação numa conversa” conforme bem anotou o MINISTRO EROS GRAU ao rechaçar de plano a inicial (fls. 12.681).

 

Conversa esta, aliás, que, se de fato tivesse existido – e nos termos utilizados pelo Sr. VADÃO GOMES efetivamente não existiu – em nada comprometeria o defendente.

 

Com efeito, conforme consignado na vestibular, VADÃO GOMES teria dito “que nessa conversa com os políticos dos dois partidos tentavam acertar detalhes de uma possível aliança nacional”;  E “que no decorrer de referido diálogo, escutou que os interlocutores mencionaram necessidade de apoio financeiro do Partido dos Trabalhadores para o Partido Progressista em algumas regiões do País”.

 

Ora, conversar não é crime. Tentar acertar os ponteiros de uma aliança nacional não é crime. Não detalha VADÃO quais dos interlocutores teria mencionado necessidade de apoio financeiro. Não informa se efetivamente houve acordo. Não esclarece se houve o tal apoio financeiro, muito menos quem teria dado o que a quem, nem quando, nem onde e nem, principalmente, a troco de quê.

 

No mais, cumpre frisar que neste mesmo depoimento prestado ao Departamento de Polícia Federal, foi o próprio ETIVALDO VADÃO GOMES quem disse “que desconhece que o Partido dos Trabalhadores tenha feito o repasse de recursos para o Partido Progressista em razão de acordo firmado entre as suas respectivas presidências” (fls. 1.720, grifamos).

 

Em Juízo, esta testemunha sequer mencionou o nome do defendente (fls. 42.960).

 

Não bastasse, PEDRO HENRY tratou de desmentir cabalmente o diz que disse criado pela postura um tanto incalta de VADÃO GOMES:

 

“Que esteve no Palácio do Planalto diversas vezes  em reuniões com o Chefe da Casa Civil, Sr. JOSÉ DIRCEU, para tratar de assuntos legislativos; Que esteve presente nas reuniões em 2003 e 2004, quando era o líder da bancada do PP; Que em nenhuma dessas reuniões foi tratado com o réu aqui presente contribuições do PT para o PP; Que em nenhuma ocasião, o Sr. JOSÉ GENOINO estava presente; Que normalmente participava o Chefe da Casa Civil e os líderes das bancadas; Que a afirmação que consta às fls. 98 da denúncia, atribuída a VADÃO GOMES, não é verdadeira pois nunca participou de reunião com o Deputado JOSÉ GENOINO para tratar de ‘apoio financeiro.”

(fls. 14.346, grifamos) 

 

Este o quadro, inelutável que a instrução criminal espancou qualquer resquício indiciário que pudesse haver em desfavor de JOSÉ GENOINO NETO.

 

Sua ABSOLVIÇÃO é medida que se impõe, como consequência evidente e necessária de JUSTIÇA!

 

 

b)    Partido Trabalhista Brasileiro

 

A acusação desfechada contra o peticionário funda-se, única e exclusivamente, nos sucessivos chiliques do ex-Deputado Federal ROBERTO JEFFERSON, originalmente na imprensa e depois na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e na CPMI dos Correios.

 

Segundo o introdutório da peça inaugural:

 

“o ex Deputado Federal Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, divulgou, inicialmente pela imprensa, detalhes do esquema de corrupção de parlamentares, do qual fazia parte, esclarecendo que parlamentares que compunham a chamada ‘base aliada’ recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao Governo Federal, constituindo o que se denominou como ‘mensalão’. (...)

O ex Deputado esclareceu ainda que a atuação de integrantes do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores para garantir apoio de parlamentares ocorria de duas formas: o loteamento político dos cargos públicos, o que denominou ‘fábricas de dinheiro’, e a distribuição de uma ‘mesada’ aos parlamentares.(...)

No depoimento que prestou na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e também na CPMI ‘dos Correios’, Roberto Jefferson afirmou que o esquema pelo mesmo noticiado era dirigido e operacionalizado, entre outros, pelo ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, pelo ex Tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, e por um empresário do ramo de publicidade de Minas Gerais, até então desconhecido do grande público, chamado Marcos Valério, ao qual incumbia a distribuição do dinheiro.(...)

Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas.

Tanto é que o pivô de toda essa estrutura de corrupção e lavagem de dinheiro, o publicitário Marcos Valério, beneficiário de importantes contas de publicidade no Governo Federal, em sua manifestação de pseudo-interesse em colaborar com as investigações, apresentou uma relação de valores que teriam sido repassados diretamente a parlamentares e outras pessoas físicas e jurídicas indicadas por Delúbio Soares” (fls. 5.617/5.619)

 

O simples prelúdio da peça já antecipa o que as mais de cem páginas seguintes da denúncia apresentam como prova em desfavor do denunciado JOSÉ GENOINO NETO: nada!

 

À parte a vaga imputação de condutas delituosas a “integrantes do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores”, não há menção a qualquer comportamento supostamente ilícito praticado pelo defendente.

 

É bem verdade que, da leitura de nota de rodapé apostada às fls. 07 da denúncia, consta o depoimento do ex-deputado ROBERTO JEFFERSON, arrolado como testemunha no processo que tramitou perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Federal contra JOSÉ DIRCEU, em que, num discurso marcado pelo deboche, deixou consignado o seguinte:

 

“Não vou acusar o PT, mas a cúpula do PT, gente dele [de JOSÉ DIRCEU] – Genoíno, Sílvio Pereira, Delúbio –, gente dele, que ele faz questão de defender até o último momento, quando conversou comigo. ‘Eu quero proteger o Silvinho e o Delúbio, que estão sendo envolvidos nisso’. (...) Esquece de se referir a saques milionários do Marcos Valério feitos um dia antes de ir ao seu gabinete na Casa Civil. O jornal O Globo hoje faz a ligação das datas. Mas o Deputado José Dirceu não sabia de nada disso que acontecia no Brasil. (...), eu ratifico, eu reitero, eu reafirmo, Sr. Relator. José Genoíno era o vice-presidente do PT. O Presidente de fato era o José Dirceu”

 

O bolero de péssimo gosto cantado por ROBERTO JEFFERSON não ecoa em qualquer elemento probatório vertido aos autos.

 

A denúncia opta por se pautar nas fantasias de um deputado cassado que, diante dos meios de comunicação, devaneia a respeito dos acontecimentos, exagera nas histórias, cria situações inverídicas.

 

Verdadeiro Bufão este ROBERTO JEFFERSON!

 

Não obstante, a própria denúncia, utilizando-se das mesmas palavras do detrator, exclui qualquer indício de autoria de JOSÉ GENOINO NETO ao relatar que:

 

“Roberto Jefferson afirmou que todas as tratativas sobre a composição política, indicação de cargos, mudança de partidos por parlamentares para compor a base aliada em troca de dinheiro e compra de apoio político foram tratadas diretamente com o ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Tratavam, inclusive, sobre o ‘mensalão’, matéria que foi objeto de conversa entre ambos em cinco ou seis oportunidades.” (fls. 5633)

 

De novo, à parte os excessos, os discursos espetaculosos de ROBERTO JEFFERSON, importante registrar que o nome do defendente ora é lembrado, ora é esquecido, conforme o palco, conforme a inspiração do dia.

 

Inevitavelmente repetitiva, a defesa, também nesta oportunidade, vem reiterar a ausência de material comprobatório que autorize concluir pela existência de qualquer liame entre o denunciado e as finanças do Partido Trabalhista Brasileiro.

 

Segundo o ex-deputado, nas reuniões que existiram entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Trabalhista Brasileiro:

 

“Pelo PT participaram JOSÉ GENOÍNO, o Tesoureiro Nacional DELÚBIO SOARES, o secretário MARCELO SERENO e o então Ministro JOSÉ DIRCEU, que homologava todos os acordos daquele partido; Que JOSÉ GENOÍNO não possuía autonomia para ‘bater o martelo’ nos acordos, que deveriam ser ratificados na Casa Civil pelo Ministro JOSÉ DIRCEU; Que nesse acordo o PTB apoiaria o PT em São Paulo/SP, Ribeirão Preto/SP, Rio Branco/AC, Rio de Janeiro/RJ, Curitiba/PR, Belo Horizonte/MG, Goiânia/GO, Salvador/BA, dentre outras que não se recorda no momento; Que por sua vez o PTB receberia apoio financeiro do PT para financiamento nacional das candidaturas a Prefeitos e Vereadores em todo o país” (fls. 4.220/4.221)

 

Quanto às reuniões entre partidos, nenhuma dúvida a respeito de sua existência, vez que confirmado por ambas as partes que eram comuns os encontros entre os presidentes dos partidos para tratar de assuntos políticos.

 

Vide, a respeito, depoimento do denunciado EMERSON PALMIERI, também presente às reuniões, que foi expressamente citado pelo preclaro MINISTRO RELATOR no ato de recebimento da denúncia:

 

“Que participaram como representantes do PTB na Câmara dos Deputados JOSÉ MÚCIO e DECLARANTE, e o PT, o presidente JOSÉ GENOÍNO, o tesoureiro DELÚBIO SOARES, SILVIO PEREIRA e MARCELO SERENO” (fls. 3.574)

 

Nesse encontro foi discutida aliança política, inclusive pelo denunciado, que tinha essa atribuição enquanto ocupava o cargo de presidente nacional do Partido dos Trabalhadores.

 

Se for verdade que para viabilizar acordo político em algumas cidades foi necessário um equilíbrio financeiro entre as agremiações, de tal enlace não participou o defendente.

 

O “apoio financeiro do PT” não era, nem nunca foi, tarefa a ser desempenhada pelo denunciado, vez que, como já dito e provado nos autos do Inquérito Policial e ao cabo da longa instrução processual, pela divisão de competências dentro do próprio Partido dos Trabalhadores, cabia ao Secretario de Finanças DELÚBIO SOARES o controle e administração dos recursos financeiros do partido.

 

Aliás, não por outro motivo, são robustas as provas neste sentido, ao passo que permanecem no campo da imaginação as declarações prestadas pelo denunciado ROBERTO JEFFERSON, que não encontram lastro em nenhum depoimento ou documento vertido aos autos.

 

Pergunta-se: afora a oratória de gosto duvidoso do deputado cassado ROBERTO JEFFERSON, o que há nos autos que comprove que JOSÉ GENOINO NETO, nas reuniões que realizou juntamente com outros membros de seu partido e na presença do ex-deputado federal, teria oferecido ajuda financeira ao Partido Trabalhista Brasileiro?!

 

Nem uma palavra sequer!

 

Menos ainda, qualquer migalha de que o imaginado ajutório seria, em verdade, corrupção parlamentar!

 

Por outro lado, sólidas e contundentes são as provas que afastam a responsabilidade penal do denunciado das práticas delituosas que lhe são imputadas.

 

Aliás, integrantes do próprio Partido Trabalhista Brasileiro são categóricos ao explicar de que forma ocorriam os repasses financeiros, nada mencionando a respeito de JOSÉ GENOINO NETO.

 

E neste ponto, de se registrar novamente o depoimento policial de EMERSON PALMIERI que, se de um lado deu alguma base, ainda que frágil, ao recebimento da denúncia, serve neste momento processual para corroborar o que é de todos sabido e por dezenas de testemunhas confirmado nos autos: JOSÉ GENOINO nunca tratou das finanças do partido:

 

“Que logo após a reunião em que foi acertado o acordo financeiro entre o PTB e o PT, conheceu MARCOS VALÉRIO, apresentado por DELÚBIO SOARES, na sede do PT em Brasília, como empresário que iria fazer as doações e resolver os problemas do PT e PTB; Que neste momento estavam na sala somente DELÚBIO SOARES, MARCOS VALÉRIO e o DECLARANTE” (fls. 3.574)   

 

A respeito do tema, o denunciado ROMEU QUEIROZ foi ainda mais preciso:

 

“Que em dezembro de 2003, foi contactado pelo então Presidente do PTB, Deputado Roberto Jefferson, na condição de segundo secretário do Partido para que angariasse recursos para a agremiação política; Que a reunião com ROBERTO JEFFERSON ocorreu na residência deste Parlamentar; Que diante do pedido do Deputado Roberto Jefferson, procurou o então Ministro dos transportes ANDERSON ADAUTO em seu gabinete, para quem formulou a solicitação de recursos; Que cerca de dois ou três dias após esta reunião, o ex-Ministro entrou em contato com o declarante esclarecendo que tinha mantido entendimentos com o então Tesoureiro do PT, Sr. DELÚBIO SOARES, e que este por sua vez se colocou a disposição para disponibilizar recursos do PT através da empresa SMP&B PUBLICIDADE” (fls. 2.126)

 

A corroborar essas declarações, de se trazer à baila o depoimento prestado pelo acima mencionado ANDERSON ADAUTO, Ministro dos Transportes à época dos fatos, que assim se posicionou:

 

“Que ao assumir o MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES em janeiro de 2003, tendo contraído dívida não saldada de campanha eleitoral, resolveu procurar o Tesoureiro do Partido Majoritário na coligação para ajudá-lo na quitação do débito eleitoral; Que esteve com DELÚBIO SOARES pessoalmente, em Brasília-DF, sendo que na ocasião o Tesoureiro do PT explicou que estava recebendo demandas diversas por recursos, mas iria verificar a possibilidade de ajudar; Que não informou de que forma e nem quando iria implementar o auxílio financeiro; Que depois de trinta ou quarenta dias fez contato com DELÚBIO SOARES que confirmou a intenção de ajudá-lo, como efetivamente aconteceu; (...) Que comentou com o Deputado Federal do PTB/MG ROMEU QUEIROZ do contato realizado com DELÚBIO SOARES no sentido de saldar os débitos contraídos na campanha eleitoral de 2002; Que ROMEU QUEIROZ fez menção de procurar DELÚBIO SOARES para resolver as suas pendências eleitorais, não sabendo se o Deputado realmente o procurou ou se conseguiu resolver o problema que tinha encaminhado ao declarante como Ministro dos Transportes” (fls. 3.565/3.566)

 

Ou seja, a única personagem que tenta de alguma forma incriminar JOSÉ GENOINO é o pai da mentira, ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO.

 

E, não bastasse, vai mal no seu intento, ora diz uma coisa, ora outra, para depois inventar uma terceira, primando sempre pela imprecisão, falta de clareza, amoldando seu discurso ao sabor de seus humores e às conveniências de palco e de platéia. 

 

A defesa pede vênia, neste momento, para tratar de apenas dois empréstimos (os únicos em que consta o nome do denunciado) – devidamente REGISTRADOS na prestação de contas do Partido dos Trabalhadores, devidamente REGISTRADOS perante o Tribunal Superior Eleitoral e que estão sendo devidamente QUITADOS – tomados pelo denunciado DELÚBIO SOARES junto aos Bancos Rural e BMG, para fazer frente ao verdadeiro caos financeiro vivenciado pelos Diretórios Regionais do PT.

 

Isso porque, embora seja tarefa exclusiva do Secretário de Finanças a obtenção de recursos financeiros, competia também ao presidente do partido, por condição estatutária[4] (doc anexo), a assinatura de tais empréstimos.

 

Assim, a legalidade, a viabilidade, o cabimento das transações financeiras permaneciam a cargo do Secretário de Finanças, sendo a firma do presidente do partido requisito meramente formal para a execução do empréstimo.

 

Não por outro motivo, o denunciado DELÚBIO SOARES, ao explicar a obtenção dos empréstimos, sempre foi categórico ao excluir qualquer responsabilidade de JOSÉ GENOINO NETO:

 

“Que realmente solicitou um empréstimo junto ao banco BMG no valor de R$ 2,4 milhões para cobrir um saldo negativo decorrente de despesas efetuadas pelo PT na transição do Governo e na cerimônia da posse do Presidente da República; Que os dirigentes do banco BMG responsáveis pela concessão do empréstimo foram apresentados ao declarante pelo publicitário MARCOS VALÉRIO; Que  o BMG apresentou as melhores condições de taxa dentre os bancos pesquisados pelo declarante; Que consultou vários bancos que não aceitaram a concessão do crédito, podendo citar o Banco Santos, Bradesco, Schain, ABN-Real, dentre outros que não se lembra; Que somente o BMG aceitou conceder o empréstimo, desde que fosse apresentado um avalista com bens para lastrear o empréstimo; Que pediu a MARCOS VALÉRIO para que aceitasse ser avalista do empréstimo, uma vez que o mesmo possuía patrimônio necessário para dar garantia à operação; Que a direção do Partido dos Trabalhadores sabia da decisão de tentarem obter o empréstimo para cobrir o saldo negativo da conta; Que JOSÉ GENOÍNO concordou que fosse obtido o empréstimo, mas não teve qualquer participação na escolha do avalista ou da instituição financeira que iria conceder o crédito; Que resolveu decidir pela opção do empréstimo por acreditar que eventuais doações fossem interpretadas como instrumento de favorecimento de empresas que possivelmente tivesse qualquer contrato no Governo Federal; Que realmente o PT deixou de saldar uma das parcelas do empréstimo, acarretando a responsabilidade conseqüente do avalista; Que em julho de 2004 MARCOS VALÉRIO saldou uma prestação no valor de R$ 350 mil, referente a taxa de juros cobrada pelo contrato; Que o pagamento desta parcela de juros pelo avalista MARCOS VALÉRIO não foi contabilizado junto ao TSE; Que tal fato ocorreu tendo em vista que MARCOS VALÉRIO efetuou o pagamento da parcela através da conta-avalista, vinculada a norma bancária interna do BMG; Que o pagamento da parcela de juros por MARCOS VALÉRIO não constava no extrato da conta aberta pelo PT junto ao BMG; Que também obteve um empréstimo no Banco Rural, agência Av. paulista, no valor de R$ 3 milhões; Que esse empréstimo foi concedido em maio de 2003, sendo que sua atualização em agosto de 2005 alcançará o montante de R$ 6 milhões; Que esse empréstimo no banco Rural também possui como avalista o Sr. MARCOS VALÉRIO; Que, entretanto, MARCOS VALÉRIO não assumiu nenhuma responsabilidade de pagamento neste empréstimo; Que foi apresentado por MARCOS VALÉRIO aos dirigentes do banco Rural que concederam o referido empréstimo; Que o PT pretende quitar todas as dívidas que possui, inclusive da parcela assumida por MARCOS VALÉRIO no empréstimo concedido pelo BMG” (fls. 248/249)

 

A fim de espancar qualquer dúvida, segue breve trecho das declarações prestadas por DELÚBIO SOARES perante o então Procurador-Geral da República:

 

O declarante reconhece que foi de sua exclusiva responsabilidade a escolha da via do empréstimo bancário para a obtenção dos recursos necessários para custear as aludidas despesas, visto que lhe foi delegado pelo PT o caminho mais adequado para solução dos problemas financeiros.” (fls. 367/368 do apenso 85, grifamos)

 

No longo e detalhado interrogatório realizado em Juízo, de igual forma, DELÚBIO volta a expor o caos financeiro vivenciado pela agremiação partidária, em especial por seus Diretórios Regionais; volta a afirmar que o Diretório Nacional – por conta de sua posição como Tesoureiro do Partido – delegou-lhe uma solução e que esta solução foi adotada sem que JOSÉ GENOINO tenha participado das negociações com MARCOS VALÉRIO (fls. 16.591/16.333).

 

Ou seja, restou absolutamente evidenciado que não cabia ao denunciado JOSÉ GENOINO NETO a celebração de contratos de empréstimo, tampouco a análise dos procedimentos adotados para sua obtenção.

 

Bem por isso, MARCOS VALÉRIO, avalista daqueles contratos, jamais menciona qualquer participação do peticionário:

 

“O declarante freqüentava a sede do PT tanto em São Paulo como em Brasília, não tendo nunca conversado com o ex-Presidente do PT, José Genoíno, sobre empréstimos, mas o ex-Secretário-Geral Sílvio Pereira tinha conhecimento dos empréstimo que estavam no nome das empresas do declarante e também que Sílvio havia dito ao declarante que o então ministro José Dirceu tinha conhecimento dos empréstimos” (fls. 358, grifamos)

 

As assertivas de DELÚBIO SOARES e MARCOS VALÉRIO encontram perfeita consonância com o depoimento do próprio denunciado:

 

“Que a direção nacional do partido decidiu captar recurso financeiros junto ao mercado, para fazer frente aos débitos acima mencionados; Que foi DELÚBIO SOARES quem providenciou as gestões para obtenção dos empréstimos junto aos bancos RURAL e BMG; Que o DECLARANTE nega que tenha tido qualquer ingerência na escolha das instituições financeiras que emprestaram dinheiro ao PT; Que o DECLARANTE só tomou conhecimento dos financiadores do partido quando assinou os contratos de empréstimos perante as duas instituições financeiras mencionadas, na qualidade de avalista; Que por determinação estatutária o presidente do partido tinha a obrigação de avalizar os empréstimos tomados aos bancos RURAL e BMG; Que tais empréstimos tinham como garantias as contribuições parlamentares e de ministros filiados ao PT, bem como dos recursos oriundos de futura campanha de filiação partidária, o que de fato ocorreu a partir de 2003; Que não tem certeza se essas garantias estavam expressamente mencionadas nos contratos de empréstimos, eis que não negociou as cláusulas das avenças junto às instituições financeiras; Que deseja consignar que estes dois empréstimos sempre constaram da prestação de contas do Partido dos Trabalhadores, e quando de sua saída da presidência do partido, a nova direção assumiu publicamente o compromisso de honrar aquelas obrigações.” (fls. 4.211/4.212, grifamos)

 

De se ressaltar, nesta linha, a ausência cabal de qualquer registro de participação do peticionário em qualquer outra transação financeira porventura existente, conforme facilmente se comprova ante o absoluto vazio de indícios neste sentido.

 

A pergunta que fica e encerra este capítulo é a síntese de tudo quanto explanado por esta defesa: Pode um homem público com uma história de vida e uma trajetória imaculada como JOSÉ GENOINO ser condenado com base nas saltimbancas palavras de um ROBERTO JEFFERSON?

 

A única resposta possível é um redondo e exclamativo NÃO, sendo sua ABSOLVIÇÃO de mais esta torpe acusação medida de JUSTIÇA!

 

 

 

 

VI – FORMAÇÃO DE QUADRILHA

 

 Resta tratar da suposta formação de quadrilha.

 

Muito embora se trate de delito autônomo em relação aos supostos crimes praticados por seus integrantes, como cogitar de formação de quadrilha se, como demonstrado à exaustão, não cometeu o defendente delito algum?

 

A exordial acusatória, após abarcar indiscriminadamente as pessoas de JOSÉ DIRCEU, DELÚBIO SOARES, SÍLVIO PEREIRA e o peticionário como integrantes do “núcleo principal da quadrilha”, busca associá-los ao intitulado “núcleo publicitário”, composto por MARCOS VALÉRIO, RAMON HOLLERBACH, CRISTIANO PAZ, ROGÉRIO TOLENTINO, SIMONE VASCONCELOS, GEIZA DIAS, bem como ao chamado “núcleo Banco Rural”, constituído por JOSÉ AUGUSTO DUMONT (falecido), JOSÉ ROBERTO SALGADO, AYANNA TENÓRIO, VINÍCIUS SAMARANE e KÁTIA RABELLO.

 

De se sublinhar, prima facie, que o denunciado não conhece, nunca se reuniu e jamais manteve qualquer contato com as pessoas envolvidas no “núcleo publicitário” ou no “núcleo Banco Rural”. Avistou MARCOS VALÉRIO sim, poucas vezes, sem jamais tratar de qualquer assunto com ele.

 

Em relação a seus companheiros de partido, vale muito o ensinamento de NELSON HUNGRIA:

 

Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se estável ou permanentemente, para a consecução de um fim comum. À quadrilha ou bando pode ser dada a seguinte definição: reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes. A nota de estabilidade ou permanência da aliança é essencial. Não basta, como na ‘co-participação criminosa’, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado crime: é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura  atuação em comum, no sentido da prática de crimes  não precisamente individuados ou apenas ajustados quanto à espécie, que tanto pode ser uma única (ex.: roubos) ou plúrima (exs.: roubos, extorsões e homicídios).” (Comentários ao Código Penal, vol. 9, Forense, Rio de Janeiro, 1958., p. 177/178.)

 

Em nenhum trecho da denúncia a acusação expôs fatos que levassem a crer estarem os acusados previamente associados para a prática de crimes.

 

Estavam, isto sim, filiados desde 1980 a um mesmo projeto político para este país. Projeto político que, frise-se, tem, há mais de oito anos, o respaldo da imensa maioria da população, em especial daquela historicamente aviltada pela elite dirigente da nação.

 

HELENO FRAGOSO, há muito, citou CARRARA, alertando para o risco da propagação indiscriminada da imputação de quadrilha, que acaba sendo confundida com o concurso de pessoas:

 

Carrara, aliás, advertia contra a tendência de certos acusadores em ver nessa reunião ocasional verdadeiras quadrilhas” (Lições de Direito Penal – Parte Especial, arts. 213 a 359, 3ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1981, p. 286)

 

A verdade é que tanto a doutrina quanto a jurisprudência continuam a consagrar os requisitos indispensáveis à configuração desse delito:

 

“Associação é o acordo de vontades, de modo permanente, para consecução do fim comum. Como bem diz MAGGIORE, 360, ‘no fato associativo há algo mais do que acordo’. O simples ‘acordo’ para cometer um crime, não é punível. O que transforma o acordo em associação, e o torna punível pelo crime em exame, é a organização com caráter de estabilidade. É assim, uma certa permanência ou estabilidade o que distingue o crime em exame da simples participação criminosa (societas sceleris ou societas in crimine)” (HELENO FRAGOSO, Lições de Direito Penal – Parte Especial, arts. 213 a 359, 3ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1981, p. 287/288).

 

É, portanto, indispensável a vontade consciente e livre de se associar com o fim de cometer crimes. É o elemento subjetivo do tipo consubstanciado pelo dolo específico.

 

DAMÁSIO anota sobre o tema, citando farta jurisprudência:

 

“Distinções entre quadrilha ou bando e concurso de pessoas

(...)

2ª) Na co-delinqüência os participantes associam-se para a prática de determinado crime, antes individuado, ao passo que na quadrilha ou bando os seus componentes se associam para a prática de indeterminado número de crimes. No sentido do texto: RT, 511:400, 535:325, 544:349, 567:348 e 514:354; RF, 247:327; RJTJSP, 57: 371; JTACrimSP, 27:476, 37:235 e 46:342.” (Direito Penal, 3º Vol., 14ª edição, Saraiva, São Paulo, 1999, p. 417)

 

Em confronto com tão abalizadas lições, a denúncia olvida-se que o conjunto de pessoas denunciadas era na verdade o quadro de Dirigentes Partidários devidamente eleitos. Não há qualquer associação, com outra finalidade além da gestão do Partido.

 

Ilustrativo julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA é capaz de nos informar que

 

“Caracteriza-se o delito de quadrilha com a associação de pessoas para cometer crimes, imprescindindo o elemento subjetivo que informa o delito, ou seja, o dolo específico, a vontade consciente dirigida à associação em quadrilha com o fim de cometer crimes, sendo este independente daqueles cometidos pela societas delinquentium, possuindo um caráter de estabilidade ou permanência da reunião de pessoa.

Todavia, no caso, a dúvida reside em se saber se o crime é realmente de quadrilha

(...)

A finalidade lícita de exercer atividade comercial em nada se coaduna com o tipo previsto no art. 288 do Código Substantivo” (STJ, HC 6.215/MA, 5ª Turma, Relator para acórdão Ministro CID FLÁQUER SCARTEZZINI, julgado em 16.12.1997, RT 754/594, grifamos)

 

Ao escólio da mais abalizada doutrina, para o crime de quadrilha é fundamental que seja identificado, entre outros elementos, a união do grupo com a expressa finalidade de praticar crimes. Não é, evidentemente, o caso dos autos.

 

Os acusados, pelo simples fato de exercerem suas atividades desempenhando funções para as quais foram eleitos por votação prevista nos Estatutos do Partido, não podem ser enquadrados no delito de formação de quadrilha. O simples fato de haver mais de três denunciados na Ação Penal preenche apenas um dos imprescindíveis requisitos, deixando completamente vazios os demais, igualmente necessários.

 

Não havendo qualquer indício – muito pelo contrário, tendo sido provado que a união dos acusados se deu por meio de eleição intrapartidária – inviável a condenação dos réus pelo crime de bando.

 

A acusação, além de vaga e abstrata, não encontra guarida nos elementos probatórios encartados aos autos para fundamentar qualquer das imputações atribuídas ao denunciado.

 

O denunciado JOSÉ GENOINO NETO, como presidente do Partido dos Trabalhadores, tinha função institucional e política. Nada existe nos autos que autorize concluir o contrário.

 

Neste contexto, afinal, em quais provas documentais ou testemunhais teria se pautado a acusação para pleitear a condenação por condutas de tamanha gravidade?!

 

Paradigmático, nesta ordem de idéias, v. acórdão – remoto no tempo, porém bastante atual em seu conteúdo – proferido por esta COLENDA CORTE, pelas mãos do MINISTRO VICTOR NUNES nos autos do Habeas corpus impetrado pelo saudoso jurista HELENO CLÁUDIO FRAGOSO:

 

“Discriminar a participação de cada co-réu é de todo necessário, como disse da tribuna o ilustre advogado, porque, se, em certos casos, a simples associação pode constituir um delito per se, na maioria deles a natureza da participação de cada um, na produção do evento criminoso, é que determina a sua responsabilidade, porque alguém pode pertencer ao mesmo grupo, sem concorrer para o delito, praticando, por exemplo, atos penalmente irrelevantes, ou nenhum. Aliás, e necessidade de se definir a participação de cada um resulta da própria Constituição, porque responsabilidade criminal é pessoal, não transcende da pessoa do delinqüente (art. 141, § 30). É preciso, portanto, que se comprove que alguém concorreu com ato seu para o crime.

Além disso, Sr. Presidente, também é essencial essa especificação, para que possa haver defesa adequada, para que alguém, denunciado com outros, possa saber como orientar e conduzir sua defesa, evitando-se inclusive a constituição ou nomeação de um só defensor para mais de um acusado, cujas defesas devessem divergir em algum ponto.

E a denúncia, no caso presente, tendo especificado a ação de oito dos denunciados, englobou os onze seguintes – inclusive o paciente – na mesma chave. A parte da denúncia mais pormenorizada a esse respeito diz: ‘executando cada um a parte que lhe cabia na urdidura geral’.

Sr. Presidente, dizer isto ou dizer nada, é a mesma coisa, em se tratando de ação criminosa coletiva. Bastaria dizer que a ação criminosa foi coletiva, o que nada explicaria, como nada esclareceu dizer que cada um executou ‘a parte que lhe cabia’, sem mencionar em que consistiam as tarefas individuais ‘na urdidura geral’.

O que justamente se precisava dizer era que ato coube a cada um praticar, qual foi a sua participação, para que todos pudessem defender-se e a denúncia pudesse, então, ser aceita como regular, e não como ato abusivo

(STF, HC 42.697, Relator Ministro VICTOR NUNES, julgado em 13.10.65, RTJ 35/517, grifamos)

 

 

Assim, também sob este prisma, aguarda o peticionário sua ABSOLVIÇÃO, em homenagem a secular tradição de JUSTIÇA que emana de nossa mais alta CORTE!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRECLAROS MINISTROS

 

A acusação – que não se alicerça em nada de concreto no que toca ao defendente – é gravíssima. Por isso mesmo, a instauração de Ação Penal em seu desfavor já foi, por si só, um fardo por demais pesado. Um condenação criminal constituiria insuportável injustiça.

 

JOSÉ GENOINO NETO, ao longo de mais de trinta anos dedicados à luta política por um Brasil mais justo, igualitário e fraterno, sempre se destacou, entre outras qualidades, por sua retidão ética e moral, por sua postura séria, equilibrada e honesta no trato da coisa pública.

 

Esse é o quadro traçado no acervo probatório dos autos:

 

“É outra coisa que eu posso dizer com muita tranqüilidade. O Genoíno é um homem honrado. Ele é um homem generoso. Um homem solidário. Eu diria, reportando-me ao vocabulário que usávamos na época da ditadura: ele é a verdadeira pessoa de esquerda. É um homem que respeita o outro como raras pessoas respeitam. O que eu posso dizer do Genoíno é que ele é tão honrado que quando eu ouvi na televisão e, depois, lendo nos jornais que ele estava sendo acusado nesse caso, afiancei para todas as pessoas que eu conheço que o Genoíno, não. Não sei nada, não posso depor sobre esses fatos, mas, do que eu sei do Genoíno, ponho a minha mão no fogo. O Genoíno não participa de quadrilha, se é que existe” (ENY RAIMUNDO MOREIRA, fls. 37.417/37.418)

 

“Eu acho que ele é uma das maiores contribuições do campo democrático da vida política nacional, ele teve uma participação na constituinte que hoje é motivo, inclusive, de estudos, de teses, é uma pessoa que defendeu sempre propostas dentro de um campo democrático popular, ele foi uma figura de destaque nisso. Além disso, ele foi conhecido, isso é sabido também de todos, por um exímio regimentalista, conhece todos os meandros, foi um deputado que marcou o Congresso Nacional, tanto é que quando vem a ser candidato ao Governo do Estado, a gente tinha o sentimento de que tinha perdido um lugar dele ali no Congresso, alguns diziam até que nunca deveria ter saído do Congresso, porque mesmo com a disputa do governo do Estado, mesmo tendo contribuído muito para a vitória do Lula aqui, ele foi vitorioso, foi para o segundo turno, mesmo assim a gente sentia a falta dele no Congresso, muita gente dizia que ele não deveria ter saído de lá, continuando onde estava, é ali que é o lugar dele” (PAULO FRATESCHI, fls. 29.657)

 

“DEFESA: Vossa Excelência fala muito da atividade parlamentar do Deputado Genoíno. Como o senhor a descreveria nesses anos que convivem juntos?

O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Fui eleitor do José Genoíno, durante alguns anos. Acho que só deixei de votar no José Genoíno, quando fui candidato, porque também, se não votasse em mim, seria um pouco desonroso para a minha pessoa. Mas sempre fui eleitor de Deputado Genoíno, sempre fui simpatizante das idéias do Deputado Genoíno e, portanto, sempre tive o deputado como um parlamentar dos mais bem preparados, marcado por idoneidade e por um senso ético profundo. Tenho muito respeito pelo José Genoíno, inclusive, quando passei a divergir dele, quando ele passou a compor com o atual campo majoritário, e passei a não concordar com a linha política de sua corrente. Mas sempre tive e tenho o Deputado José Genoíno como um dos grandes quadros políticos da vida brasileira, inclusive como referencial ético de capacitação imenso” (fls. 42.732/42.733)

 

“DEFESA: Boa tarde, Pela defesa de José Genoíno Neto, gostaria de saber se o senhor o conhece e qual o conceito que possui, também, do profissional, da atividade parlamentar de José Genoíno Neto. Se era uma pessoa presente e combativa na Câmara.

O SR. HERMES PARCIANELLO: Era e continua sendo uma das figuras mais combativas da política do País, na minha opinião, um dos quadros mais importantes dos últimos tempos da política brasileira, desde que o Partido dos Trabalhadores estava na oposição, atualmente também na situação. Sua história é de conhecimento de toda a nação, enquanto guerrilheiro lutando contra a ditadura. Também me sentiria muito à vontade para dizer aqui que o Deputado Genoíno é outra figura que eu atesto ser importante, porque é uma pessoa da mais altíssima conta em termos do conceito que tenho por ele e também em relação a sua honestidade. Nada posso dizer, não há nada, com toda a franqueza, que possa desabonar, na minha opinião, a conduta do Deputado Genoíno” (fls. 42.729/42.730)

 

“O SR. ÂNGELO CARLOS VANHONI: Olha, o Genoíno, de certa maneira, é uma referência na minha formação ideológico-política, eu sou um deputado de esquerda, acho que o que eu aprendi na minha formação, na minha militância, deve-se à leitura de muitos dos textos escritos pelo Genoíno e outros companheiros do PT, tenho o Deputado Genoíno como uma das referências políticas do nosso País” (42.640/42.641)

 

“DEFESA: Qual o conceito que Vossa Excelência possui do Deputado José Genoíno Neto?

O SR. MAURÍCIO RANDS COELHO BARROS: De um excelente parlamentar, de um excelente presidente de partido, de um militante dedicado e de um político com uma folha muito densa de serviços prestados à sociedade” (fls. 42.598)

 

“MICHEL TEMER: Tenho o melhor conceito pelo trabalho que o Deputado José Genoino Neto realiza na Câmara dos Deputados, e pela sua conduta como parlamentar e cidadão” (fls. 36.596)

 

“Sempre foi um cara muito humilde, de poucos gastos e nunca teve aparências financeiras, o contrário, sempre estava pendurado comigo, pendurando cheques, pedindo para, de repente, segurar a conta mais um dia. Nunca me pediu nota, porque ele poderia até pedir nota, porque os deputados podem pedir notas e receber ressarcimento ou receber através de outros meios da Câmara, que eu não sei, nunca pediu. Então, ele nunca teve aparência, lá no Hotel, durante esses vinte anos, que levasse como riqueza, ao contrário, era uma  pessoa bem retratada, bem segura e com hábitos bem simples. A maior parte não tinha carro. Quando tinha um carro, era um carro velho, por isso, sempre, de manhã, para ele não ir de táxi, várias vezes, não posso contar quantas, porque às vezes levava a semana inteira, duas, três vezes, levava ele, de manhã, no Congresso” (JOÃO ANDRÉ DA SILVA, fls. 42.257)

 

É homem extremamente íntegro, probo, idôneo servidor da causa pública, portador de conduta, personalidade, vida, passado e trajetória política de todo incompatíveis com a prática de crimes.

 

Nasceu em Quixeramobim, no Ceará, Estado onde começou a militar como líder estudantil. Integrou a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), filiou-se ao PCdoB em 1968. Deixou os estudos, caindo na clandestinidade nos primeiros anos da ditadura militar, e acabou preso em abril de 1972 na guerrilha do Araguaia, à qual aderiu em 1970. Depois de cinco anos de cadeia e tortura, retomou a vida em São Paulo. Foi viver com uma companheira de cárcere, Rioco Kaiano, teve filhos e hoje é um orgulhoso avô. Trabalhou como professor de história no colégio Equipe e começou sua trajetória parlamentar, com cinco mandatos consecutivos como Deputado Federal, uma derrota para Governador do Estado de São Paulo – em 2002 – e mais um mandato no legislativo federal até o início de 2011. Exerce, hoje, no governo DILMA, com o denodo que lhe é particular, a honrosa função de Assessor Especial do MINISTÉRIO DA DEFESA.

 

Anistiado em 1979, JOSÉ GENOINO NETO ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, que era gestado nos sindicatos do ABC. Em 1982, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. Reeleito em 1986, integrou a Assembléia Nacional Constituinte. Neste período, teve a atuação marcada pelo conhecimento do Regimento Interno da Câmara. Foi duas vezes líder da bancada petista, em 1991 e 1999.

 

Reeleito para o quarto mandato, com 200 mil votos, JOSÉ GENOINO NETO disputou a Presidência da Câmara dos Deputados com um programa que se sustentava na valorização e na defesa da dignidade da atividade parlamentar, na reorganização da Câmara, no aprimoramento das suas funções e na total e absoluta transparência no exercício do mandato parlamentar.

 

Como membro permanente das Comissões de Justiça e de Defesa Nacional, o peticionário defendeu no Congresso o fim do sigilo bancário para políticos e ocupantes de cargos públicos, o fim da autorização da Câmara e do Senado para que fossem abertos processos contra os parlamentares por crime comum, a ética na política!

 

Em 1998 foi reeleito ao seu quinto mandato de deputado federal, com 307 mil votos, a maior votação para deputado federal do país naquele ano. Em 2002, JOSÉ GENOINO NETO, como já dito ao longo destas derradeiras alegações, estava afastado do comando da campanha nacional do partido: foi o candidato do Partido dos Trabalhadores ao Governo do Estado de São Paulo, obtendo mais de 8 milhões de votos no dia 27 de outubro e foi o primeiro candidato na história do partido a disputar o segundo turno no Estado.

 

Assumiu a missão política de presidir o Partido dos Trabalhadores em dezembro de 2002, jamais se imiscuindo em questões administrativas e financeiras do partido, que estavam a cargo de outros dirigentes eleitos para tanto. Dado mesmo a seu perfil histórico, esmerou-se em cuidar das relações do partido com suas bases, com os movimentos sociais e com suas bancadas no Congresso Nacional, sempre no firme propósito de fazer a defesa intransigente de seu partido e do governo Lula. Despediu-se da nobre função, para melhor poder se defender da sanha irresponsável de seu detrator, em 9 de julho de 2005, quando desabafou: “A política tem o lado da poesia, mas também um lado não poético, que é duro, grave e dramático. Nesses 30 meses honrei o PT, fiz tudo achando que era o que estava correto”.

 

Ao longo de sua vida, portanto, exceção feita ao último período ditatorial amargado pelo país, jamais foi acusado da prática de qualquer irregularidade e muito menos da prática de qualquer delito.

 

Todas as provas reunidas ao longo de meses de investigação, ou mesmo e mais enfaticamente, o vazio absoluto da ausência delas, toda a instrução processual espelhada em mais de 40 mil páginas, apontam para sua inocência e absolvição.

 

Desde que viu seu nome irresponsavelmente enveredado na mais fantasiosa e torpe estória, vem adotando um só comportamento, escudando-se da maneira mais singela, dando luz à verdade nos foros apropriados.      

 

Assim é que se contrapondo com a  densidade, espessura, plausibilidade e coerência da verdade real,  compareceu à chamada CPI do Mensalão, à Comissão de Ética da Câmara Federal (na qualidade de testemunha), ao Departamento de Polícia Federal (onde não foi indiciado) e em Juízo, apontando, sempre, a inconsistência total do inverossímel discurso de ROBERTO JEFFERSON, sujeito verborrágico, que em seu duvidoso estilo absolutamente nada de concreto apontou em relação ao defendente.

 

Em todas as oportunidades, com desassombro, respondeu francamente a todas as indagações formuladas, dizimando a versão acusatória.

 

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é a CASA DA VERDADE que há de limpar o nome de JOSÉ GENOINO NETO, tisnado pela repugnante maledicência, pela deslavada mentira, proferida por um sujeito rancoroso e desesperado que despenca, já há mais de seis anos e ainda agora, no próprio e infinito abismo que urdiu.    

 

A ilegalidade e o arbítrio são mais gritantes e intoleráveis porque perpetrados perante esta Veneranda CORTE SUPREMA que, seguindo sua remansosa tradição, há de proclamar uma vez mais: basta de oco denuncismo incompatível com o Estado Democrático de Direito!

 

Por todo o exposto, e invocando ainda os doutos suplementos de Vossas Excelências, o defendente – que já conheceu parcial regozijo com a rejeição liminar de grande parte das acusações que lhe foram irrogadas – comparece às portas deste AUGUSTO SUPREMO TRIBUNAL, confiante em sua total ABSOLVIÇÃO, por ser medida de expressão máxima do JUSTO e do JURÍDICO, por ser medida de realização da profundamente almejada JUSTIÇA!

 

São Paulo, 08 de setembro de 2011

 

 

 

Sônia Cochrane Ráo                                 Luiz Fernando Pacheco

OAB/SP – 80.843                                     OAB/SP – 146.449

 

 

Sandra Gonçalves Pires                                     Marina Chaves Alves

OAB/SP – 174.382                                   OAB/SP – 271.062

 



[1] O que já motivou o cancelamento da Súmula nº 394 e a declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal neste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

[2] INQ 1.690/PE, trecho do voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 04.12.03, grifamos.

[3] STJ, RHC 2882/MS, 6ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 17.08.93.

[4] Art. 195: A movimentação dos recursos do Partido deverá ser efetuada através de contas correntes bancárias em nome do Partido dos Trabalhadores.

§ 1º: A abertura e a movimentação de contas bancárias e demais transações financeiras em nome do Partido dos Trabalhadores deverão ser feitas, conjuntamente, pelo Presidente e pelo Secretário de Finanças ou tesoureiro da respectiva Comissão Executiva.